2007-11-13

Dias 25/26/27/28/29/30/31/32/33/34/35/36/37/38/39/40/41/42

(Tenho-me apercebido nos últimos dias que quando “visito” este blog nada foi escrito. Pergunto-me o que fazer, visto ter-me prometido a escrever para ele todos os dias. Obviamente isso não aconteceu por vários motivos que a mim interessam.
Por que não faço as coisas que deveria fazer?
Por que faço o que não deveria fazer?
Por quê tantas perguntas?
Penso, penso muito em tudo, observo muito tudo o que me rodeia. Isso cria em mim uma infinidade de memórias, cheiros que se evadem ao vento, imagens que se desfocam no cérebro. O resultado de me comprometer a escrever todos os dias e não o fazer é a explicação de num dia escrever todos aqueles que faltam descrever. Memória:)
Dia 25:
Maldita Preguiça!
Ok, peço desculpa…mas aquela senhora irrita-me. Odeio quando me vem visitar e obrigado a receber bem como estou não posso impedir que me apareça cá em casa.
Isto da moral e dos bons costumes tem que se lhe diga. Não gosto que as pessoas me julguem pelas aparências mas a sociedade obriga a isso.
Sexta de manhã eu estava a dormir. Penso que foi o meu maior erro porque de outro modo ela não se auto-convidaria no meu sonho. Acordei repentinamente, desanimado por não ter a coragem necessária para negar o convite daquela senhora simpática. Como previsto chegou a minha casa logo no início da tarde e sentou-se ansiando pelo chá que preparava sempre em casa e levava para todas as suas visitas num termo. Pediu-me duas chávenas, colher, açúcar e enquanto os colocava na mesa mandou-me sentar. Organizou-os desordenadamente e verteu nas chávenas o líquido que descrevia como imprescindível para a sua existência. O açúcar ficou manchado pelas colheres molhadas devido a ela tê-las posto nas chávenas mesmo antes de deitar o chá. Bebeu uma chávena apressadamente como se fosse a última coisa que fosse fazer e logo a reabasteceu.
Aconchegou-se na cadeira e começou a contar-me histórias da sua juventude que nada interessam para aqui. Torturou-me durante seis longas horas. O chá desaparecia da chávena e ela logo a voltava a encher; deitava sempre duas colheres de açúcar e lambia o resto que ficava colado na colher. O açucareiro foi aos poucos tornando-se de uma cor amarelada. Aquela prática foi-se repetindo pela tarde; histórias, chá, açúcar. Incrivelmente nunca se acabou o chá nem sequer arrefeceu. Para mim aquele termo tinha uma capacidade espantosa. Sorria enfadado pelo seu monólogo e tentava acompanhá-la na bebida…bebi quanto chá podia e parei após várias idas á casa-de-banho.
Quando saiu não mais me consegui levantar daquela cadeira. Aquele tempo pareceu durar duas semanas.


Dia 26:
Estou tão mal…
Acordei como se a minha vida fosse acabar neste dia.
Eram 11h36m: fui surpreendido pelo bater na porta, agressivo, que me despertou tão abruptamente quanto podia. Levantei-me apregoando umas palavras que ninguém gosta de ouvir, dirigi-me à porta e abri. Não podia acreditar. A senhora Doença estava ali à minha porta com o olhar malvado de sempre fitando-me à espera que apresentasse o meu pedido de desculpas pela demora a abrir a porta. Não lhe dirigi palavra e voltei para a cama…
A Sr.ª Doença aparece sempre sem avisar. A qualquer hora do dia quando menos espero lá está ela a bater à porta esperando que a receba de braços abertos. É uma pessoa extremamente arrogante e antipática que se limita a sentar em qualquer lugar e passar o dia a olhar fixamente para mim. Segue-me para onde quer que vá e assim permanece até se fartar e ir embora. Estou farto dela, parece que me anda a vigiar há duas semanas.


Dia 27:
Ainda não recuperei destas duas visitas e pelos vistos tão cedo não se desvanecerão.
As duas senhoras marcaram-me de modos diferentes:
A preguiça, ausente, deixou-me num estado de alienação total em que me mantenho imóvel.
A doença, presente, acompanha-me para onde quer que vá e impossibilita que esteja sossegado em qualquer parte.

(Este estado repete-se ao longo dos próximos dias. Estas frases não estarão escritas mas pertencerão também a eles.)


Dia 28:
Conto 4 paredes,
8 cantos,
4 superiores e
4 inferiores,
1 porta x2, fechada,
1 janela aberta,
1 meio aberta e outra fechada que resumem
3 janelas no total.
10 gavetas com diferente conteúdo,
1 cadeira enferrujada, outros móveis…
1 cama donde não saí ainda e
1 tecto tridimensional.
Este tem sido o meu espaço.


Dia 29:
Uma orquestra está dentro da cabeça.
O corpo é feito de suor.
Voltas no mesmo lugar envolto em lençóis de água salgada.
Deliro…


Dia 30:
Hoje completaria um mês.
Um mês que escrevo aqui.
Na realidade esse mês passou sem que o tivesse escrito e o mês acabou mais tarde que isso… dias depois…
Ninguém sabe os motivos.
Contudo as desculpas são já bem conhecidas.


Dia 31:
Deitado, num estado catatónico, os ponteiros de relógios onde os ponteiros não existem avançam sobre a forma de dois pontos vermelhos intermitentes. Um som mudo representa o “tic tac” e os segundos demoram-se pelo ar. Suspiro.
Dia 31.1:
Uma rua à minha frente que se divide em duas, depois em três.
Caminho sem parar embora os meus passos se alonguem na calçada. Passo por uma montra e vejo-me no vidro desse expositor. Tenho vislumbres de um homem velho que anda como quem carrega o peso de anos nas costas. Tusso! Ao seu lado está aquela mulher desprezível, a doença.
Persegue-o…
Persegue-me…
Continuo a minha lenta demanda sempre ansiando por voltar ao ponto de partida.
Deito-me novamente. Ela sentada, observa-me…

Dia 32:
Pequenos e pobres textos.
Parece que o que havia a escrever foi escrito e tudo além disso é uma repetição dos mesmos acontecimentos.
Nada mais aconteceu…
Estou só entre viagens, delírios e apatia.
O que poderia ainda ser narrado não o pode ser.


Dia 33:
0


Dia 34:
Re-


Dia 35:
Oco.


Dia 36:
Nada.


Dia 37:
Fútil.


Dia 38:
Inútil.


Dia 39:
Estéril.
Dia 39.1:
Este tempo todo para recuperar de duas visitas. Finalmente acordei predisposto a fazer algo. Todos os sintomas tinham já desaparecido e levantei-me com energia suficiente para deixar a luz entrar. Abri as cortinas e respirei fundo…
Senti-me livre…
A senhora Doença tinha já ido embora e há muito que a senhora Preguiça tinha sido esquecida. (Julgava eu…)
Dia 39.2:
Depois do banho, enquanto me preparava para sair o telemóvel começou a tocar. Inconscientemente atendi e imediatamente reconheci a voz do outro lado. A senhora Preguiça que se encontrava nas redondezas teve a gentileza de se convidar a aparecer.
Ainda tentei dissuadi-la mas foi impossível. Num minuto encontrava-se já na porta à espera que abrisse.
Desliguei a chamada e fui abrir.
Mais uma vez.
A re-petição:
Sentou-se, pediu as chávenas, dispô-las na mesa, serviu o chá do termo, contou histórias…... ...


Dia 40:
Um Zero…
O retorno a uma repetição recopiada, a um corpo oco.
O regresso do nada fútil, inútil, estéril.



Dia 41:
...um zero…


Dia 42:
Estéril, inútil, fútil, o nada a que regresso.
Oco este corpo, retornado a uma réplica repetida.
Um Zero…

1 comentário:

Anónimo disse...

:) :)
Mesmo que a senhora Preguiça te faça atrasar um bocadito(mt :p),o importante é que continues com o teu objectivo e mais importante ainda,continues a escrever...
...