Mercurii dies:
Hoje é o dia em que nem estou morto nem vivo… não sou um morto-vivo…
O mundo desilude-me…
Mercurii dies:
Hoje é o dia em que nem estou morto nem vivo… não sou um morto-vivo…
O mundo desilude-me…
Martis dies:
O Suicídio veio falar comigo. Mostrou-se claramente indignado pela forma como me tenho suicidado, diz que as minhas mortes já não estão a ser originais, que me repito demasiado. A Morte mostrou o mesmo descontentamento e até chegou a dizer indirectamente que se voltasse só por causa do meu corpo dependurado não valia a pena avisá-la, assim como mandava em vez dela um subalterno. Considerava até que a prevenisse somente quando o meu corpo estivesse num estado mais avançado de putrefacção.
Eu percebo o desapontamento quer do Suicídio quer da Morte. A verdade é que depois de semanas de suicídios, de dias em branco, confesso que começa a perder a piada. A princípio pensei logo em diferentes modos de me executar. Obviamente, passadas semanas essa originalidade começa a desvanecer-se. Abusei demasiadas vezes do Suicídio e ele tinha-me como seu amigo. É mesmo isso, quando as pessoas nos dão mais nós tendemos a querer mais ainda. Faz parte da natureza do Homem querer sempre mais um pouco, nunca estar cheio.
Tenho-me morto incessantemente. Aplicar-se-ia aquela pergunta da grande amiga do reflexo:
“Quantas vezes morreste hoje?”
Responderia:
Hoje… Hoje não morri nenhuma. Hoje o dia está demasiado lúgubre, não me conseguiria suicidar. Mas tenho morrido tantas vezes, tantas quantas possas contar.
A primeira vez morri de inanição, talvez tenha sido a melhor forma de suicidar-me porque depois de dias a delirar e a fraquejar a dor é nula. Depois seguiram-se as overdoses e os enforcamentos, tiros no coração. Quando me aborreci tentei auto-defenestração contudo não gostei do estado em que o meu corpo ficou rebentado no chão e quando me lancei para o rio demorei dias a sair da água devido à corrente ter-me arrastado para o mar. Mais tarde cortei os pulsos e a carótida. Morte suja esta, e aviso já que é muito difícil rasgar o pulso direito depois de ter cortado o esquerdo. Roubei um carro e colidi contra uma parede de betão armado após ter tentado inalar os fumos tóxicos do cano de escape, morri inúmeras vezes por envenenamento de gases múltiplos, afogamentos. Por fim electrocutei-me e auto-imolei-me. Ah, e uma vez testei a teoria que se injectarmos ar na nossa corrente sanguínea morremos (e resulta).
Tem sido assim amiga… mortes consecutivas que até a Morte e o Suícidio desprezam.
Iouis dies:
As faces dos pássaros cantam para mim.
Rio e cumprimento-as com agrado.
Tenho asas de penas para voar ao lado das faces dos pássaros.
Eles não têm corpo. Contudo são aves, por isso voam.
Sinto-me bem apesar do vento me dificultar o voo. Hoje não me apetece morrer de modo algum. Pelo contrário, voar é o meu ofício. Vou viajar para lugares onde não vou há anos, visitar amigos perdidos no tempo.
Saturni dies:
Observo a ambiente que me rodeia. Eu sou o centro. Um ponto negro num mar de pontos de várias cores. As cores são indicadas pelo ícone cúbico em cima das pessoas como num jogo de computador. Eu posso desdobrar-me em várias personagens de várias cores mas segundo as regras não me é possível encarnar outros pontos correspondentes às outras personagens. Tenho um relógio de bolso que posso consultar. Diz-me quanto tempo tenho antes de morrer e o objectivo é ir contra-relógio arranjando modos de prolongar o tempo. Não é possível controlar o tempo de modo a viver eternamente…
Façamos o que fizermos, vai acabar por expirar o tempo no relógio sem que nunca saibamos ao certo quanto tempo falta porque o relógio é um simples relógio, não um cronómetro. Vamos sempre cometer um erro que nos impedirá de prolongar a nossa existência e “puff”… pára o relógio.
GAME OVER
Mercurii dies:
Confesso que estou assustado. Não é o medo da morte que me assusta. O temor que sinto provém de algo muito mais profundo, um sonho.
Antes de começar a explicar este pavor tenho que situar este sonho, assim como os sonhos antes deste, num tempo e os sonhos não se deslocam no tempo. E quão sou eu obcecado pelo Tempo! E pelos Sonhos. O problema é que este sonho foi no passado mas desenrola-se no futuro. E quanto gostaria de explicar o inexplicável e incerto mas estes delírios não deixam provas que eu possa utilizar. Logo o sonho é à partida inexplicável.
O início terá sido sem qualquer dúvida um “déjà vu”. Nesta situação o “déjà vu” foi despoletado por uma frase acompanhada de música. Senti um arrepio porque achei que era mais que algo já visto, esta sensação era nova; contudo decidi ignorar este aperto.
Dias depois, após novo “déjà vu” decidi ponderar no porquê de isto me estar a acontecer.
(Censurado pelo Ego)
Solis dies:
Na janela de vidro transparente vejo o meu reflexo junto ao reflexo que não é meu…
Olho-me e vejo-me, depois viro os olhos mais para a direita e fixo outro ponto onde está esse reflexo. Acho estranho isto nunca acontecer em espelhos porque aí seria o lugar mais provável. E quando me refiro ao espelho enquanto lugar não digo que este o seja, mas é-o enquanto sítio paralelo e improvável. Estes vultos aparecem em vidros translúcidos ou baços, em poças de água e lagos um pouco profundos. São nestes espelhos improvisados, criados por raios de luz num ângulo e intensidade certos que me vejo, que os vejo.
Cá estou perdido entre memórias de um passado nos carris do tempo…
O “déjà vu” que é um “déjà ecrit”…
As paredes pintadas e riscadas.
Os riscos sobre as pinturas sobrepostas aos riscos.