2009-03-25

Mercurii dies:

Mercurii dies:

Hoje é o dia em que nem estou morto nem vivo… não sou um morto-vivo…

O mundo desilude-me…

2009-03-20

Iouis dies, Veneris dies

Iouis dies/Veneris dies:

(o dia de amanhã)

-Amanhã tudo vai acabar, o céu vai cair - disse-me hoje o homem vestido com calças de ganga azul manchadas de terra nos joelhos, camisola de lã grossa com mangas arregaçadas. Não tem nome. Esteve a rezar ao seu deus. Ouvi dizer que tinha falecido dias antes de vir ter comigo. Não sei porque veio ter comigo. Ele esteve a rezar ao seu deus. O seu deus não tem nome.
Chama-se Eloisa. Anda para trás e para a frente com os braços agarrados ao seu par.
É o “não sei quem” que se juntou ao “não sei quê”…
São os problemas psicológicos…
É o nada de jeito…
É o não ter jeito…
Hã???
Não percebi… Desculpa…
Joga isso de uma forma natural, pode ser?
Não, esses tempos já acabaram e, nunca, nunca vai voltar a ser assim.
Faz o que quiseres, já foi!
São os loucos do momento.
Os lúcidos a tempo inteiro.
Uns dormem, outros estão acordados.
Os bichos andam na minha cabeça. Comem-me o cérebro.
Os bichos revolvem as entranhas, eu vomito-os.
Eu vejo as pessoas serem personae, tornarem-se bichos.
Dizem que as mesas têm copos mas eu não os vejo. Dizem que as mesas têm pernas enquanto que para mim são objectos com quatro patas… tal como os bichos.

2009-03-11

Mercurii dies

Mercurii dies:
Foi o medo que me moldou como barro molhado. Pus-me ao sol para secar e acabei por ficar rachado porque a minha vasilha era demasiado fina. Fiquei em cacos.
Foi o medo que me acorrentou à monotonia.
Foi o medo que me deixou surdo-mudo.
Foi o medo que me matou.

Martis dies, Iouis dies, Saturni dies

Martis dies:

O Suicídio veio falar comigo. Mostrou-se claramente indignado pela forma como me tenho suicidado, diz que as minhas mortes já não estão a ser originais, que me repito demasiado. A Morte mostrou o mesmo descontentamento e até chegou a dizer indirectamente que se voltasse só por causa do meu corpo dependurado não valia a pena avisá-la, assim como mandava em vez dela um subalterno. Considerava até que a prevenisse somente quando o meu corpo estivesse num estado mais avançado de putrefacção.

Eu percebo o desapontamento quer do Suicídio quer da Morte. A verdade é que depois de semanas de suicídios, de dias em branco, confesso que começa a perder a piada. A princípio pensei logo em diferentes modos de me executar. Obviamente, passadas semanas essa originalidade começa a desvanecer-se. Abusei demasiadas vezes do Suicídio e ele tinha-me como seu amigo. É mesmo isso, quando as pessoas nos dão mais nós tendemos a querer mais ainda. Faz parte da natureza do Homem querer sempre mais um pouco, nunca estar cheio.

Tenho-me morto incessantemente. Aplicar-se-ia aquela pergunta da grande amiga do reflexo:

“Quantas vezes morreste hoje?”

Responderia:

Hoje… Hoje não morri nenhuma. Hoje o dia está demasiado lúgubre, não me conseguiria suicidar. Mas tenho morrido tantas vezes, tantas quantas possas contar.

A primeira vez morri de inanição, talvez tenha sido a melhor forma de suicidar-me porque depois de dias a delirar e a fraquejar a dor é nula. Depois seguiram-se as overdoses e os enforcamentos, tiros no coração. Quando me aborreci tentei auto-defenestração contudo não gostei do estado em que o meu corpo ficou rebentado no chão e quando me lancei para o rio demorei dias a sair da água devido à corrente ter-me arrastado para o mar. Mais tarde cortei os pulsos e a carótida. Morte suja esta, e aviso já que é muito difícil rasgar o pulso direito depois de ter cortado o esquerdo. Roubei um carro e colidi contra uma parede de betão armado após ter tentado inalar os fumos tóxicos do cano de escape, morri inúmeras vezes por envenenamento de gases múltiplos, afogamentos. Por fim electrocutei-me e auto-imolei-me. Ah, e uma vez testei a teoria que se injectarmos ar na nossa corrente sanguínea morremos (e resulta).

Tem sido assim amiga… mortes consecutivas que até a Morte e o Suícidio desprezam.

Iouis dies:

As faces dos pássaros cantam para mim.

Rio e cumprimento-as com agrado.

Tenho asas de penas para voar ao lado das faces dos pássaros.

Eles não têm corpo. Contudo são aves, por isso voam.

Sinto-me bem apesar do vento me dificultar o voo. Hoje não me apetece morrer de modo algum. Pelo contrário, voar é o meu ofício. Vou viajar para lugares onde não vou há anos, visitar amigos perdidos no tempo.

Saturni dies:

Observo a ambiente que me rodeia. Eu sou o centro. Um ponto negro num mar de pontos de várias cores. As cores são indicadas pelo ícone cúbico em cima das pessoas como num jogo de computador. Eu posso desdobrar-me em várias personagens de várias cores mas segundo as regras não me é possível encarnar outros pontos correspondentes às outras personagens. Tenho um relógio de bolso que posso consultar. Diz-me quanto tempo tenho antes de morrer e o objectivo é ir contra-relógio arranjando modos de prolongar o tempo. Não é possível controlar o tempo de modo a viver eternamente…

Façamos o que fizermos, vai acabar por expirar o tempo no relógio sem que nunca saibamos ao certo quanto tempo falta porque o relógio é um simples relógio, não um cronómetro. Vamos sempre cometer um erro que nos impedirá de prolongar a nossa existência e “puff”… pára o relógio.

GAME OVER

2009-03-03

Mercurii dies, Solis dies

Mercurii dies:

Confesso que estou assustado. Não é o medo da morte que me assusta. O temor que sinto provém de algo muito mais profundo, um sonho.

Antes de começar a explicar este pavor tenho que situar este sonho, assim como os sonhos antes deste, num tempo e os sonhos não se deslocam no tempo. E quão sou eu obcecado pelo Tempo! E pelos Sonhos. O problema é que este sonho foi no passado mas desenrola-se no futuro. E quanto gostaria de explicar o inexplicável e incerto mas estes delírios não deixam provas que eu possa utilizar. Logo o sonho é à partida inexplicável.

O início terá sido sem qualquer dúvida um “déjà vu”. Nesta situação o “déjà vu” foi despoletado por uma frase acompanhada de música. Senti um arrepio porque achei que era mais que algo já visto, esta sensação era nova; contudo decidi ignorar este aperto.

Dias depois, após novo “déjà vu” decidi ponderar no porquê de isto me estar a acontecer.

(Censurado pelo Ego)

Solis dies:

Na janela de vidro transparente vejo o meu reflexo junto ao reflexo que não é meu…

Olho-me e vejo-me, depois viro os olhos mais para a direita e fixo outro ponto onde está esse reflexo. Acho estranho isto nunca acontecer em espelhos porque aí seria o lugar mais provável. E quando me refiro ao espelho enquanto lugar não digo que este o seja, mas é-o enquanto sítio paralelo e improvável. Estes vultos aparecem em vidros translúcidos ou baços, em poças de água e lagos um pouco profundos. São nestes espelhos improvisados, criados por raios de luz num ângulo e intensidade certos que me vejo, que os vejo.

Cá estou perdido entre memórias de um passado nos carris do tempo…

O “déjà vu” que é um “déjà ecrit”…

As paredes pintadas e riscadas.

Os riscos sobre as pinturas sobrepostas aos riscos.