2008-11-18

Martis dies

Martis dies:

A minha cabeça está na Lua mas estou em Marte no dia de Marte (que não é esse dia de Marte).

Folhas amarelas, folhas vermelhas, folhas castanhas, folhas verdes, folhas em branco.

Porque não há nada a dizer, nada a fazer, no dia em que estou em Marte com a cabeça na Lua e o sol a bater-me nos olhos…

(Não me importo, hoje nem é esse dia.)

2008-11-05

Mercurii dies

Mercurii dies:
A vida é um quebra-cabeças. Pode entender-se como um daqueles puzzles que têm um número infinito de peças ou como um cubo de Rubik.
Se olharmos para ela como um puzzle temos que ter noção que faltam sempre peças para o todo e as muitas partes que ainda restam estão em montes à espera de ser colocadas no sítio certo. O puzzle vai sendo completado mesmo sabendo que nunca vai ser acabado. As peças chave vão faltar sempre, as peças já colocadas estão ocasionalmente no local errado. Por vezes mudam-se partes certas para sítios errados, partes erradas para outros lugares errados. O ponto comum é que existe sempre um padrão.
Se virmos a vida como um cubo mágico temos necessariamente que conotar que ao mudar uma peça de lugar a sua oposta vai também mudar. Isto quer dizer que nunca podemos simplesmente esperar que quando faltar um cubo para acabar, este possa ser finalizado. Temos que voltar a baralhar os pequenos cubos coloridos para que possamos voltar a montar. Nunca, nunca podemos alterar um fragmento sem que outro seja afectado pelo movimento. Apenas os quadrados centrais estão imóveis tal como os traços básicos da nossa personalidade.
É assim que me sinto, um ser incompleto, baralhado, inerte. Espero ser concluído às mãos de alguém sem saber se alguém um dia vai conseguir ou tentar. Anseio que as partes que me constituem sejam postas no lado certo mas elas estão ou perdidas ou no espaço errado. O maior problema é que cada peça tem apenas um lugar certo em todo o quebra-cabeças e as minhas peças estão todas trocadas.
Durmo, sonho, acordo, sonho, vivo, morro, vivo, morro. Sou o Ego.

Saturni, Solis, Lunae dies

Saturni dies:
Ressuscitado. Qual a minha primeira acção? Fumar um cigarro.
Como qualquer coisa doce, bebo água fresca e tomo um banho. O meu corpo tresanda devido a estar constantemente a deixar-me morrer. Chama-se putrefacção. Passeio pelas ruas paralelas em marcha lenta. Olho para o chão, para as casas, para as pessoas. Sinto que as estou a deixar desconfortáveis. Uma delas até me faz um gesto obsceno, outra tenta agredir-me. Está frio.
As pessoas não gostam de mim. Não sei se alguma vez gostaram. Desconfio que nunca gostarão.
Oh… voltei a deprimir. Vou suicidar-me um bocado. “Até logo”, digo-me antes de sufocar.
Agora, morto, posso dedicar-me à meditação uma vez que não faço nada da vida. Mais vale estar morto, não?

Solis dies:
Pela primeira vez desde que morri estou arrependido de querer esquecer.
Pela primeira vez apercebo-me das consequências nefastas que a morte me trouxe à memória. As palavras faltam-me para conseguir descrever o meu problema e isso é também correspondente à minha crescente perda de memória. Não sei bem o que fazer, não sei bem quais os termos dos meus desejos. Será que vou esquecer quem sou? Desconheço totalmente o que advém das minhas lacunas temporais. Perco-me no sentido das minhas frases. Não desvendo o seu significado.
Quem sou eu afinal? Por que motivo não consigo realizar os meus desejos da forma que eu quero que eles se realizem?
A minha mente é um turbilhão.

Lunae dies:
Estou com sérios problemas. A Amnésia, senhora velha e caquéctica está continuamente a atrapalhar-me os planos, contudo consigo lidar com ela. Já o Conhecimento, homem sóbrio, honesto, nobre que conheci há uns anos atrás está desaparecido e não consigo encontrá-lo. Nestas circunstâncias não consigo procurá-lo, não tenho posses para contratar detectives nem posso mover-me para ir avisar a polícia. Estou preocupado. Procurei-o tanto quanto pude. Sem ele começo a sentir-me um incompetente, um ser ignóbil. É estranho como preciso de tanta gente e ninguém necessita de mim. As únicas pessoas que querem estar comigo só me atrapalham (ex.: Dona Preguiça). E quanto me perturbam.
Passo a mão na testa húmida. Estou cansado de pensar. Estou saturado de aparecimentos e desaparecimentos. Queria voltar a ser o velho Ego Jeiyo. A minha mãe não me criou para isto, pelo menos não era o seu plano. Acho que ela nunca sequer imaginou que eu me iria tornar no ser disforme em que me tornei, nunca neste ser imprestável.
É Outono e as folhas estão a cair já há uns meses. Eu sou o fruto apodrecido que cai das árvores antes das folhas.
Nada mais pode ser escrito hoje. Vou morrer.