2009-08-30

0-QC78/208308049.1855 (Post mortem)

0-QC78/208308049.1855:
Post Mortem
Ressuscitado…
Do meu leito de morte desperto ainda com os olhos fechados. Da carne podre faz-se carne nova. Não morrerei em breve.
Sonhos coloridos tomaram conta de mim ao longo do torpor do último mês. Nestes sonhos o mundo dava voltas ao meu redor e mãos tocavam-me. Um mundo “Egocêntrico”. O tempo demorava-se ao contornar os meus membros deixados cair lânguidos e como se possuísse um olho que espreitava de dentro dos meus olhos fechados, sorria. As formas do sonho contorciam-se, transformavam-se, fundiam-se. Eu estava no centro. As cinzas voavam com o vento. Eram cinzas de uma cor avermelhada.
Os sonhos tomaram conta de mim.
Acordei.
Uma nova vida crescia em mim e eu com vida renovada levantei-me com força.
«Estou vivo», grito, «estou vivo!!!»
Os músculos mal me suportam. É como se eu fosse um templo antigo e as colunas estivessem gastas, usadas. A minha idade influencia em muito esta sensação.
Sou velho, muito velho.
Sinto-me novo…

2009-08-01

Solis dies (Mors omnia Solvit)

Solis dies:

Mors Omnia Solvit

Já chega, não aguento mais!

Hoje vou morrer. Vou morrer por mais uns tempos, deixar-me ficar inerte no branco vazio onde me deixaram. Acabam hoje as folhas em branco onde risco as palavras alucinadas do louco. Fui usurpado de mim, retiraram-me o espaço onde nasci, onde fui criado, onde evoluí até hoje.

Hoje vou morrer. Roubaram-me o meio envolvente, o meu suor, as minhas palavras. Tiraram-me tudo o que vi no mundo, páginas e páginas onde caminhei, teclas que outrora, diminuto pela minha força de vontade, pisei no esforço do trabalho de quem descreve a sua inútil vida.

“O Ego vai morrer, o Ego tem que morrer até renascer”, dizem as vozes. Eu, o Ego, vou destruir-me por causa disso. O tempo está a acabar, o meu espaço a terminar. É como se a televisão se desligasse e rapidamente o ecrã vai a preto, permanecendo o círculo no centro, branco, e então… puff… desliga-se.

Estou cansado, tão cansado.

Prolongo o meu prazo de validade. Nos últimos dias sou vítima de um entorpecimento que me avisa que o fim está próximo.

Penso em deixar-me morrer de fome.

Não como há três dias.

Não consigo deixar de beber.

Aflige-me a secura.

Sei contudo que a minha morte está próxima pois começo a fraquejar e o mais fácil dos movimentos demora séculos a executar. Ao escrever em papel a minha caligrafia não passa de um gatafunho só a mim perceptível. Morrerei em breve por todos os motivos que consigo imaginar.

Sem-abrigo.

Não tenho casa e quero lá voltar em breve. Quando voltar ao meu refugio deixar-me-ei desfalecer na minha cama de pedras e plástico.

Pergunto-me se será hoje o dia em que morro…

Ao acordar dorido, no meio das pedras e do plástico, faço pela primeira vez neste dia, a pergunta:

Morro ou deixo-me viver?

Escrevo “pela primeira vez neste dia,” porque ao longo destes meses deambulo apenas entre pensamentos sobre a morte, o suicídio concretizado e os dias comatosos em que estive mesmo morto. Foi um ano perdido, em que me perdi e perdi muitas pessoas no processo. Perdi capacidades e perdi memórias. Perdi a noção de quem sou, de quem fui e como nasci. Deixei de viver, vivi na morte.

Estou de passagem numa espiral. É uma linha ténue, bidimensional. De um lado é vida, do outro é morte. Eu estou no lado da morte. Piso a linha, morto, cheiro a morto, vejo mortos. Só vejo mortos.

Vagueio...

Tenho a sede do homem morto. As moscas sobrevoam o meu corpo esperando depositar os seus ovos.

Pousam.

Afugento-as.

Quando morrer vou deixá-las colocar as suas larvas em mim, vou deixá-las criar vida a partir de mim. É positivo saber que de um cadáver sai vida. Não me importava que necrófagos viessem buscar a sua parte. Não vejo nenhuns e não consigo procurá-los.

Os tempos mudam e com um pouco de sorte quando renascer talvez eu mude com o tempo e tudo em mim seja diferente. Não desejo passar mais um ano a morrer. A morte é a saída mais fácil de todas que eu poderia ter optado, isso é inegável, mas não quero seguir novamente a saída mais fácil.

Chamaram-me cobarde por não querer lutar mas quem me chamou cobarde tem medo de morrer. Tive medo de lutar. Tive coragem para morrer. E daí? Outros têm coragem para lutar mas pavor da morte.

A minha Razão vem de um turbilhão de conflitos mentais que saem para a folha, confusos, dispersos. É difícil segurar a caneta, é mais fácil morrer.

Deito-me…

Bebo mais um travo mas continuo com sede…

O vazio aproxima-se.