2009-09-30

1-QC88/1893090410.2159

1-QC88/1893090410.2159:
Tenho que começar a encarreirar a minha vida.
Fica para as calendas gregas.

Tudo (?) tem ficado para as calendas gregas.
Apenas nas viagens me deixo perder nos campos criados num imaginário retorcido em flores que não existem e que eu quero colher, flores que se movimentam largando odores que lembram a ultrapassada primavera. Odores que quero cheirar mais intensamente, esses cheiros que me fazem sorrir.
Apetece-me algo.
Apetecem-me coisas. Algo “coisado”, indefinido, mas que contenha forma. Algo que não se possa descrever só com palavras. Poderia usar-se uma metáfora mas não haveria nada que se comparasse a este ALGO em que reflicto. É parvo pensar que certas “coisas” não podem ser exprimidas ainda. Há tantas palavras. Como pode não haver aquela palavra?
Lembrei-me de criar um novo vocábulo para este conceito. Mas como explicar um conceito que não existe em palavras nem tem nome? Fico preso na redoma do significante e significado.
Pontos finais. Pergunto-me se serei ainda o Ego?
Acordo. Deitado ainda na cama, esfrego os olhos e fixo o relógio na parede. Os raios de luz vindos da janela permitem-me ver as horas. É tarde, demasiado tarde. Num salto levanto-me da cama e bato com a cabeça no tecto. Estranho. Terei crescido?
Não tenho tempo para pensar nisso. Visto-me à pressa. Uma perna custa a entrar mais que a outra nas calças, a camisola está ao contrário, as meias tortas, os atacadores desapertados. Dirijo-me à casa de banho. Que cara a minha!
De olhos remelosos lavo a face quente. Volto a deitar-me. Terei febre?
Fica para amanhã.

2009-08-30

0-QC78/208308049.1855 (Post mortem)

0-QC78/208308049.1855:
Post Mortem
Ressuscitado…
Do meu leito de morte desperto ainda com os olhos fechados. Da carne podre faz-se carne nova. Não morrerei em breve.
Sonhos coloridos tomaram conta de mim ao longo do torpor do último mês. Nestes sonhos o mundo dava voltas ao meu redor e mãos tocavam-me. Um mundo “Egocêntrico”. O tempo demorava-se ao contornar os meus membros deixados cair lânguidos e como se possuísse um olho que espreitava de dentro dos meus olhos fechados, sorria. As formas do sonho contorciam-se, transformavam-se, fundiam-se. Eu estava no centro. As cinzas voavam com o vento. Eram cinzas de uma cor avermelhada.
Os sonhos tomaram conta de mim.
Acordei.
Uma nova vida crescia em mim e eu com vida renovada levantei-me com força.
«Estou vivo», grito, «estou vivo!!!»
Os músculos mal me suportam. É como se eu fosse um templo antigo e as colunas estivessem gastas, usadas. A minha idade influencia em muito esta sensação.
Sou velho, muito velho.
Sinto-me novo…

2009-08-01

Solis dies (Mors omnia Solvit)

Solis dies:

Mors Omnia Solvit

Já chega, não aguento mais!

Hoje vou morrer. Vou morrer por mais uns tempos, deixar-me ficar inerte no branco vazio onde me deixaram. Acabam hoje as folhas em branco onde risco as palavras alucinadas do louco. Fui usurpado de mim, retiraram-me o espaço onde nasci, onde fui criado, onde evoluí até hoje.

Hoje vou morrer. Roubaram-me o meio envolvente, o meu suor, as minhas palavras. Tiraram-me tudo o que vi no mundo, páginas e páginas onde caminhei, teclas que outrora, diminuto pela minha força de vontade, pisei no esforço do trabalho de quem descreve a sua inútil vida.

“O Ego vai morrer, o Ego tem que morrer até renascer”, dizem as vozes. Eu, o Ego, vou destruir-me por causa disso. O tempo está a acabar, o meu espaço a terminar. É como se a televisão se desligasse e rapidamente o ecrã vai a preto, permanecendo o círculo no centro, branco, e então… puff… desliga-se.

Estou cansado, tão cansado.

Prolongo o meu prazo de validade. Nos últimos dias sou vítima de um entorpecimento que me avisa que o fim está próximo.

Penso em deixar-me morrer de fome.

Não como há três dias.

Não consigo deixar de beber.

Aflige-me a secura.

Sei contudo que a minha morte está próxima pois começo a fraquejar e o mais fácil dos movimentos demora séculos a executar. Ao escrever em papel a minha caligrafia não passa de um gatafunho só a mim perceptível. Morrerei em breve por todos os motivos que consigo imaginar.

Sem-abrigo.

Não tenho casa e quero lá voltar em breve. Quando voltar ao meu refugio deixar-me-ei desfalecer na minha cama de pedras e plástico.

Pergunto-me se será hoje o dia em que morro…

Ao acordar dorido, no meio das pedras e do plástico, faço pela primeira vez neste dia, a pergunta:

Morro ou deixo-me viver?

Escrevo “pela primeira vez neste dia,” porque ao longo destes meses deambulo apenas entre pensamentos sobre a morte, o suicídio concretizado e os dias comatosos em que estive mesmo morto. Foi um ano perdido, em que me perdi e perdi muitas pessoas no processo. Perdi capacidades e perdi memórias. Perdi a noção de quem sou, de quem fui e como nasci. Deixei de viver, vivi na morte.

Estou de passagem numa espiral. É uma linha ténue, bidimensional. De um lado é vida, do outro é morte. Eu estou no lado da morte. Piso a linha, morto, cheiro a morto, vejo mortos. Só vejo mortos.

Vagueio...

Tenho a sede do homem morto. As moscas sobrevoam o meu corpo esperando depositar os seus ovos.

Pousam.

Afugento-as.

Quando morrer vou deixá-las colocar as suas larvas em mim, vou deixá-las criar vida a partir de mim. É positivo saber que de um cadáver sai vida. Não me importava que necrófagos viessem buscar a sua parte. Não vejo nenhuns e não consigo procurá-los.

Os tempos mudam e com um pouco de sorte quando renascer talvez eu mude com o tempo e tudo em mim seja diferente. Não desejo passar mais um ano a morrer. A morte é a saída mais fácil de todas que eu poderia ter optado, isso é inegável, mas não quero seguir novamente a saída mais fácil.

Chamaram-me cobarde por não querer lutar mas quem me chamou cobarde tem medo de morrer. Tive medo de lutar. Tive coragem para morrer. E daí? Outros têm coragem para lutar mas pavor da morte.

A minha Razão vem de um turbilhão de conflitos mentais que saem para a folha, confusos, dispersos. É difícil segurar a caneta, é mais fácil morrer.

Deito-me…

Bebo mais um travo mas continuo com sede…

O vazio aproxima-se.

2009-07-06

Veneris dies, Solis dies

Veneris dies:

O Sol queima-me a pele. Enquanto isso, pequenas gotas de suor escorrem pela minha face. As gotas são alheias ao que se passa, meramente querem soltar-se de mim desconhecendo que vão a caminho da morte. Suicidam-se.

Aproximam-se mudanças. Eu gosto de mudanças, menos quando elas me mudam. Não gosto de mudar; gosto de evoluir porque as mudanças não me afectam tanto. É como se não mudasse.

O pescoço chama-me!

São pequenos sinais indicadores de outras coisas. São sempre coisas, pequenas coisas. Vê-se a pele pelo transparente véu. Semelhanças…

Coisas…

Gestos. Suavemente estalam xícaras ornamentadas…

Solis dies:

A minha boca tem o sabor que a boca de um coprófago há-de ter. Dela só sai e só entra o mesmo que entra e sai da boca do coprófago.

As formigas andam para trás e para a frente numa orientação desorientada. O enxame voa descontrolado, confuso, enquanto eu o observo. Tempestades de pensamentos. É como se os ouvisse mas são tantos que não consigo percepcionar nem um deles.

Caem os véus, caem os céus. Não sei o que fazer. Fico sem saber o que fazer. Relógios marcam o tempo. Quanto tempo falta? Sei lá. Não sei nada.Quanto mais procuro, menos descubro.

2009-06-30

(anacronismos)

Os acontecimentos seguintes passam-se num tempo que não o tempo presente e são as crónicas de dias perdidos nesse tempo.

Iouis dies:

Após a tempestade vêm aguaceiros leves. Não reparei na bonança quando ela passou aqui ao lado. Ignorei-a. A chuva permite andar descalço na estrada, não é tão mau quanto dizem. E sozinhos lutamos melhor pelos nossos direitos à sobriedade alheia.

“Abre os olhos”, dizem-me sem abrir a boca. Parti os dentes. Os acontecimentos não voltam a passar-se. Passei-me!

É como se vivesse sob influência de um efeito borboleta em piloto automático, onde abdiquei das outras personalidades para ser novamente só Eu. Estou furioso, descalço, na rua. A rua leva-me directamente à casa partida em quatro bocados de vários tamanhos que forma uma nova casa onde a luz do sol tem dificuldade em penetrar. Na sombra de uma das paredes escrevi uma vez numa letra minúscula: “EU SOU EU”. Limpei o pó e lá estava a frase escondida. Se tivesse sido um sonho, diria que era uma mensagem a dizer que Eu ando escondido debaixo de camadas de pó e terra e lixo.

Imaginei então que Eu, Ego Euich Jeiyo, era esse bocado de parede partida, obrigado a passar os meus dias, imóvel, como uma frase. Apercebi-me que Eu já não sei quem sou e já não sei quem é quem, tendo perdido o direito a dizer o que quer que seja. Devia tornar-me mudo, penso, enquanto sinto as rugosidades da parede nas minhas mãos. Não é a primeira vez que penso nestas coisas. Aliás, penso que nunca pensei numa coisa apenas uma vez assim como penso que nunca pensei nessa coisa uma primeira vez. A parede tem cores feitas de pó. Tenho medo de entrar pela porta, tenho medo de olhar pela janela. Olho pela janela, sempre é mais fácil que entrar pela porta. A janela está bloqueada por um objecto no interior que faz com que não consiga ver nada. Resta-me a porta. Se tenho medo e estou melhor cá fora porque me vou fechar?

Estou dentro da casa virado para a porta. Como vou sair? Tenho medo de abrir a porta.

É como quando o som está muito alto e julgamos ouvir chamar por nós mas estamos surdos por dentro.

É como se todos os sentidos se desligassem e quiséssemos brincar aos deuses. Deuses do faz-de-conta.

É como se não quiséssemos ouvir as nossas próprias verdades que saem num momento inoportuno da boca.

É como se num momento de lucidez absoluta a Loucura tomasse conta de um corpo, revirasse os olhos tornando-os brancos, o corpo entrasse em transe e a voz destrutiva de deus clamasse por vítimas inocentes. Um deus que se apodera das vítimas sugando-as, primeiro no interior e depois de sorvida toda a energia, se virasse para a carcaça vazia.

É como se deus existisse na sua infinita maldade.

É como se Eu não existisse.

(Mas nem deus nem Eu existimos. A verdade é que custa dizer a palavra “Desculpa”.)

Dentro da casa a porta abre-se. Lá de fora vejo outra casa igual com quatro paredes partidas. A porta que se encontrava aberta possuía um poder de sucção maior que esse deus que ainda há pouco estava presente, leva-me para um espaço em muito semelhante.

Era um rio, estava lá uma Utopia. Ela contou-me segredos mas decidi ignorá-la. Atravessei em águas pouco profundas e fui ter ao carreiro que começava do outro lado, no lado esquerdo da margem para onde o rio corre. Estava tudo como Eu queria contudo fui forçado a voltar para a casa partida em quatro paredes.

Vejo com os olhos de cego o destino.

Lunae dies:

Vi o meu corpo transformar-se num objecto abstracto, semi-animal, semi-natureza morta. Apesar de me sentir vivo, um vazio ocupava a totalidade da minha mente, tornando-me um vegetal estampado para o exterior. Não me conseguia mexer. Nada se mexia a não ser eu que não passava de objecto inanimado no chão verde. Eu também era verde mas não era um vegetal. Era algo amorfo com conteúdo. Era uma criança crescida. Era vazio sem ser oco. Era um livro aberto numa página em branco.

Mercurii dies (ou dia nenhum):

Calmo, controlo a respiração para que ela não me fuja. No calor do dia me refugio, na frescura da noite me revelo. Mentalizo-me; eu não sinto nada. Está tudo na minha cabeça. Acalmo-me um pouco… estou melhor. No entanto a minha cabeça não se convence e daqui a uns dias voltará a manifestar sintomas de um desequilíbrio. Eu tenho o poder para controlar estes sintomas. Afugento-os com uma vara. “Até NUNCA”, digo-lhes… “até nunca”… eles não voltarão. Nunca mais.

Lunae dies:

É hoje. Ontem não o foi porque passou à frente…

Chamam-lhe pôr a carroça à frente dos bois.

Martis dies:

Num minuto estava em casa e no minuto seguinte estava na ladeira com o homem velho. Estávamos a olhar para a casa de vermelho ocre, casa esta abandonada. O homem velho retirou do bolso das calças velhas um pequeno saco de plástico transparente cheio de chaves antigas, umas de tons dourado, outras com um tom de bronze gasto. Disse-me que as tinha encontrado à porta, num caixote do lixo. Desaparecemos reaparecendo no segundo seguinte em frente à porta de entrada, feita de madeira e com a parte superior em arco. O homem velho abriu o saco do qual retirou uma chave, a maior que lá se encontrava. Meteu-a na fechadura, rodou-a e imediatamente se ouviu o barulho do trinco a abrir. Já nos encontrávamos no interior numa espécie de salão com soalho de madeira. O salão tinha quatro portas e duas passagens para outras divisões anexas onde se viam janelas sem vidros. Ele retirou um molho de chaves e foi abrindo cada uma das portas daquilo que vim a descobrir serem quartos. Todo o piso da casa estava desprovido de mobília sobressaindo o soalho de madeira, sujo e podre. Cheirava a mofo.

O homem velho disse-me que o seu pai trabalhava com alhos, transformava os alhos em pó… fazia alho em pó.

Ouvimos um barulho e olhámos para o tecto. Este tinha buracos por onde um homem, outro homem, observava os nossos movimentos. Imaginei que já o fizesse há algum tempo. Estávamos de volta à porta da casa, o homem velho e Eu, subimos um lanço de escadas de cimento até ao primeiro andar, onde de novo a porta se encontrava fechada.

O homem velho afirmou que não tinha a chave deste andar mas o homem que estava lá abriu-nos a porta e convidou-nos a entrar. Estava a arranjar esse piso. Falou-nos de como tinha ido lá parar. Não tinha casa e aquela foi a que encontrou. Então começou a torná-la confortável para si. De facto este piso encontrava-se em melhores condições que o de baixo.

O homem disse que estava a morrer. Quando o disse eu estava novamente na ladeira em frente à casa. Desci a ladeira e encontrei um campo de trevos. Procurei um com quatro folhas. Encontrei-o mas tinha uma das folhas, possivelmente a quarta com um buraco, comida pelos bichos. Mesmo assim decidi levá-lo ao homem. Não consegui chegar lá.

Lunae dies:

Chegada…

Aterro no abrigo e lá me deixo estar.

Mercurii dies:

Gone out…

Aqui só há apatia. Aqui só há catatonia… quão paralisado estou?

Bloqueado para escrever ou para outra coisa qualquer. São palavras cruzadas entre linhas em branco. Afinal, nem as linhas existem. Tal como eu. Faz dias que me sinto assim, inexistente. Mostro cada vez mais de mim e menos da minha realidade

Milhares de sombras que me assombram.

Está frio no calor do dia.

Eu tenho frio!

Ter frio de calor é como se o frio estivesse lá para o meu egocentrismo.

Não fosse eu o Ego.

Só vejo “pseudos”.

Eu sou um deles. Estou congelado. Meto-me no buraco, o espírito abandona-me…

Uma casca vazia…

2009-06-21

Solis dies

As noites começam a ficar maiores... Foi-se o solstício embora ontem... e o equinócio... o equinócio não foi ontem de certeza porque ele disse-me... ah, mas estiveste com ele... sim, por causa do equilíbrio...

Saturni dies----Solis dies

Equinócio, o dia que não é noite e a noite que não é dia...
Tal como eu já não sou eu---- corto a mudez a meio e deito as metades ao rio- como uma metade para me calar... calado estive eu, calado estiveste tu... mi mi mi...
saltinhos de calor em dia abrasivo para o sistema sináptico...
Hãããããããã????? o que diabo é isso?
diabo, diabo onde é que anda o diabo?...
está ali, está ali, apontou a menina.
que menina?
a menina que estava ali de vestido, não a viste?
A menina apontou? qual menina?
hãããããã~~aãããããã~~aããããã~~aãããã~~aãããã~~aãã~~aããã~~aããã~~aããã~~aããã~~aããã~~aããã~~aããããã~~aãããã~~a~?
que menina?
quem és tu? eu não és de certeza...
E volta a mudez--------- - -- - -- - - -- - - -- - - -- - - - --- -------- --- ---- --- ------- --- ---- -- ------ - -- -- - ---------------- ------ ---- -- -- ---------- --- --- --- -- -- -- -- - - -- -
Hã?

2009-04-29

Lunae dies, Martis dies

Lunae dies:

Isolamento!

Criei uma sinfonia que só os meus ouvidos conseguem ouvir, pus o volume no máximo e fiquei surdo para o mundo exterior. Coloquei uns óculos de sol, fechei os olhos e tornei-me cego para o que me rodeava.

Abstraído percorri os chãos de alcatrão, de calçada, de vegetação. Choquei contra algo que pelo tacto se assemelhava a uma árvore. A sinfonia continuava… molto allegro… não abri os olhos. Palpei o obstáculo até o contornar e segui caminho. Senti os pés a molharem-se.

No meu interior, além de música e completa escuridão provenientes do lado físico, havia uma mistura de cores nunca descobertas. Dei-lhes os nomes de ciloca, ablinho, hálcia, harim, ôrmil, sáve, liroca e queto. Deixei a cor queto para o fim porque foi a minha preferida. Quando abri os olhos de novo, quando acabou a sinfonia, estava num lugar estranho, no meio de uma estrada com carros a buzinar-me. Pedi informações sobre o caminho de volta a casa e corri para lá. Fiz uma mistura de pigmentos mas nenhum deles se tornou a cor queto. Conclui que estas cores não podem ser criadas nem vistas a partir de nenhuma outra cor. São as cores da alma, as cores do sonho, as cores do id…

 

Martis dies:

É difícil ver coisas porque as coisas são e podem ser tantas coisas.

Eu vi tantas coisas.

O que são coisas?

O que é a palavra COISA?

Digo “coisa” e não me soa a nada. Não sei onde foram buscar estas coisas.

É coisa-ruim!

Coisa!!! Será alguma coisa quando pode ser tudo?

Quando digo que vi uma coisa, o que vêem os outros como essa coisa?

Será a mesma coisa que eu vi?

Serão coisas todas aquelas coisas que não temos nome para descrever?

Será deus uma coisa?

Que coisa estranha, coisa.

Quem inventou a palavra coisa devia estar coisado senão chamar-lhe-ia outra coisa qualquer. E quando sinto uma coisa, o que estou a sentir? Eu nem sei que coisas sinto!

Sinto-me uma criança que sabe somente coisas e que nem sabe que coisas sabe.

Sinto-me coisado.

Será que penso nestas coisas quando as escrevo?

Coisa bizarra…

 

A aranha está a percorrer a tinta amarela do meu lápis. Demora eternamente a atravessar e preciso usá-lo. Pronto, já está na extremidade da mesa, será que vai saltar?

Seis minutos de Tchaikovsky.

2009-04-23

Martis dies

Martis dies:

O aperto no peito continua a fazer-se sentir conquanto menos angustiante. Presentemente não tenho medo. Treino a respiração para que isto aconteça.

Tenho um buraco no estômago por onde vejo o outro lado quando me olho. É engraçado quando o faço, é como se estivesse a ver através das costas mas invertido. Tentei virar a cabeça para ver direito mas ouvi um estalido e parei. Tentei manipular a minha mente para que a minha visão visse as imagens direito e as invertesse mas não consegui porque ela já está formatada para ver as imagens invertidas e ordená-las depois naquele emaranho visual. Já não sei qual é a ordem certa porque se vimos ao contrário e depois invertemos as imagens, então não será a visão invertida a real?

Fui sentar-me num café para não pensar tanto. Disseram-me antes de lá chegar que quanto mais me fecho mais necessidade tenho de estar fechado. No café, depois de me instalar, comecei uma conversa telepática com um pombo acinzentado que me fixava na esperança de lhe dar comida. Eu estava sem estômago, logo, disse-lhe que não podia regurgitar algo para ele. O pequeno pombo percebeu mas deixou-se estar assim, parado, a olhar para mim como se fosse ainda possível que aquele buraco fosse preenchido por carne a qualquer instante e não deixasse mais de e ver aquele túnel ensanguentado que funcionava como janela para o exterior, por outros órgãos. Disse-lhe que hoje já não seria possível alimentá-lo e que se estivesse ali pelo alimento podia virar costas e voar. Ele respondeu que não era somente por isso. Claro que se esse buraco se preenchesse ele faria aquela cara que dá pena, abriria o bico na minha direcção e faria aquela chieira característica de um borracho à espera de alimento dos progenitores mas como tinha a noção que isso não conteceria, então contentava-se a contemplar-me.

-Que motivos tens tu para me contemplares? Sou eu, por acaso, algo digno de admiração? Não posso ser-te útil em nada, vai-te embora. Voa para o teu poleiro.

O pombo, pausou uns segundos, então esvoaçou para cima da minha mesa, olhou em volta à procura de migalhas, mas acabou por se deter em frente a mim e começou assim:

-Vou contar-te uma história. Quando nasci, nasci num ninho longe daqui, num campo. Pode dizer-se que tive sorte porque a época de caça ao pombo tinha terminado e os meus pais não tiveram dificuldade em arranjar-me sementes para crescer forte. Quando a época de caça começou já eu era um jovem pombo a viver na cidade e aqui a vida é mais fácil. O Homem faz lixo suficiente para alimentar bandos de pombos.

Já os meus vizinhos piscos não tiveram tanta sorte. Construíram o ninho. Quando puseram os ovos, um cuco, essa ave preguiçosa, charlatã e oportunista, pôs um dos seus ovos no ninho dos piscos sem que estes se apercebessem. Quando os ovos eclodiram, o cuco, já maior que as outras crias, aproveitou uma hora em que os progenitores estavam a procurar larvas e insectos para os seus filhotes, para lançar as pequenas crias ainda depenadas abaixo do ninho. Ao chegarem os pais, viram que faltavam várias crias mas como normalmente muitas não vingam continuaram a alimentar este insaciável glutão e assassino. Afeiçoaram-se ao filho único apesar de notarem uma diferença entre eles e a sua descendência e que este crescia até um tamanho maior que o seu. Quando o cuco estava pronto para o seu primeiro voo, os piscos estavam exaustos e só aí se aperceberam do seu erro que haviam cometido. Foi tarde de mais. Estes pássaros não quiseram mais procriar, alimentar-se e deixaram-se morrer.

Percebes?

Disse-lhe que não e fui-me embora.

2009-04-17

Veneris dies

Veneris dies:

Está decidido…

Tão cedo não volto a morrer. O motivo é simples, quanto mais morro mais morto estou por dentro. Estou a sufocar com tanta morte. Hoje vou tirar o dia para ver como vão os meus amigos se eles ainda me aceitarem com este cheiro nauseabundo….

Mercurii dies, Iouis dies, Iouis dies

Mercurii dies:

Novamente a morte vem visitar-me com um véu preto e vai visitar também todos os meus amigos, alguns dos quais já citados aqui.

Não alimentarei mais esta vontade de sair daqui ou morrer para a vida. Fico-me nestes dias no sentido oposto àquele a que estou pré-formatado. Somente ando, passo a passo, a revolver as estradas de terra batida à procura de tesouros. Encontro velharias sem valor e notas gastas de pessoas a dizer:

“Encontro-te lá na sexta”

“Vejo-te às vezes…”

“Vimo-nos amanhã”

“Corri para os teus braços e tu não me agarraste”

“Saldo 0”

“Vai embora, não te quero ver mais”

Todas as mensagens eram antíteses umas das outras, umas de amor, outras de ódio…

Subi a uma árvore e sentei-me num dos ramos mais fortes, segurei-me bem com medo de cair. Encostei-me para trás.

 

Iouis dies:

A AVM ZCDW Q SXG QIZUT XVAKC TGZHLVA BRG Q OJKUA HNQ AV UTODG. A FVM ZCDW ESDHDS WGU SXG VSZQA…

RVKOCSJU ELW MTZFMZ EMZQR G RCZ FM FVSXWUSPS.

TGYC GJAQLJQW R NQFUSPS ZFOSJKMBKWYSELQ OTZQW R EUBYS HSIVMRV SBSJSD RRK ESHMQZRK CIV WEGV “SOVRVA” AV VQWOGG.

DVKMRF WMFUG CIV TMFIWSC V WYPEJH OJ HMZRNDOJ BM HVFTOD KURF MEOUSE RVKFO MWL DFKEIVE GA KGY ARAE DJGRIEVA RF IGS VE CIRDCIVJ POJ GGHISE JVRQG.

HMQFF EAFIWD.

ELVDC DGDFVJ ESD LQF HMQ JFDFOI S HWUS.

CIVJA AFJDSI W BSIEMBVUQF DGDHF.

IGSIG HWMWD BR EAFKW.

QUF…

WG…

WTZ…

VS…

Z…

QA…

SXGOSELDWTG ESI KAI TJUOUG M DRJFWI VA QIAMRFJ CIV WJWJLQ BR EUBYS YSELQ QFEA SL WJWJLA BR VQZV.

KAAFK UBJWBOISHSZK Q C HMQ C TJUOUGD TRR PS DAY S F IGS VDQ S MWDRRVQWISYSELQ!

CUWUC-F HAF ZKEC!

FVQWF-EQ!

AFJFS RG OFZSPCI!

KGWTAPWF HMFR EUA!

 

O que foi escrito não há-de ser revelado. O que foi escrito foi só escrito, riscado sem sentido.

As palavras são palavras sem que o sejam.

A palavra-chave esconde-se na mente do criador… Nem eu a sei. Ele disse que ela estaria escondida nestas crónicas mas não disse qual seria. Eu próprio, o Ego, ficarei sem saber o que escrevi inconscientemente. Deixa-me frustrado, escrever algo que até de mim é segredo. Sinto-me a ser usado.

Se tiver uma hipótese de entrar na minha mente e seguir uma pista que me faça encontrar a chave, vou descodificar o texto mas não sei se o decifrarei por mim ou pelo inconsciente em mim Morrer fez-me aperceber que não existe algo mais que o eu em mim. Existem, ao invés, vários “Eu” com diferentes personalidades desdobradas. O pior é que já não sei quem sou hoje, como sou hoje. Sei apenas que me chamo Ego Euich Jeiyo...

Sei que tenho um rosto mascarado com os traços do tempo, mas não sou quem era… sei isso. Eu já não sou eu sem nunca o deixar de ser.

Resta-me apenas esperar para ver.

 

Iouis dies:

Saber que o tempo é a minha obsessão irrita-me… conhecer-me a esse ponto enerva-me ainda mais e faz-me odiar-me. A descoberta dos meus inúmeros defeitos tornou-me no que sou hoje e apesar de me destruir não me arrependo pois a noção de saber quem sou, tornou-me um pouco mais forte, contudo muito mais cuidadoso, quase cobarde…

2009-03-25

Mercurii dies:

Mercurii dies:

Hoje é o dia em que nem estou morto nem vivo… não sou um morto-vivo…

O mundo desilude-me…

2009-03-20

Iouis dies, Veneris dies

Iouis dies/Veneris dies:

(o dia de amanhã)

-Amanhã tudo vai acabar, o céu vai cair - disse-me hoje o homem vestido com calças de ganga azul manchadas de terra nos joelhos, camisola de lã grossa com mangas arregaçadas. Não tem nome. Esteve a rezar ao seu deus. Ouvi dizer que tinha falecido dias antes de vir ter comigo. Não sei porque veio ter comigo. Ele esteve a rezar ao seu deus. O seu deus não tem nome.
Chama-se Eloisa. Anda para trás e para a frente com os braços agarrados ao seu par.
É o “não sei quem” que se juntou ao “não sei quê”…
São os problemas psicológicos…
É o nada de jeito…
É o não ter jeito…
Hã???
Não percebi… Desculpa…
Joga isso de uma forma natural, pode ser?
Não, esses tempos já acabaram e, nunca, nunca vai voltar a ser assim.
Faz o que quiseres, já foi!
São os loucos do momento.
Os lúcidos a tempo inteiro.
Uns dormem, outros estão acordados.
Os bichos andam na minha cabeça. Comem-me o cérebro.
Os bichos revolvem as entranhas, eu vomito-os.
Eu vejo as pessoas serem personae, tornarem-se bichos.
Dizem que as mesas têm copos mas eu não os vejo. Dizem que as mesas têm pernas enquanto que para mim são objectos com quatro patas… tal como os bichos.

2009-03-11

Mercurii dies

Mercurii dies:
Foi o medo que me moldou como barro molhado. Pus-me ao sol para secar e acabei por ficar rachado porque a minha vasilha era demasiado fina. Fiquei em cacos.
Foi o medo que me acorrentou à monotonia.
Foi o medo que me deixou surdo-mudo.
Foi o medo que me matou.

Martis dies, Iouis dies, Saturni dies

Martis dies:

O Suicídio veio falar comigo. Mostrou-se claramente indignado pela forma como me tenho suicidado, diz que as minhas mortes já não estão a ser originais, que me repito demasiado. A Morte mostrou o mesmo descontentamento e até chegou a dizer indirectamente que se voltasse só por causa do meu corpo dependurado não valia a pena avisá-la, assim como mandava em vez dela um subalterno. Considerava até que a prevenisse somente quando o meu corpo estivesse num estado mais avançado de putrefacção.

Eu percebo o desapontamento quer do Suicídio quer da Morte. A verdade é que depois de semanas de suicídios, de dias em branco, confesso que começa a perder a piada. A princípio pensei logo em diferentes modos de me executar. Obviamente, passadas semanas essa originalidade começa a desvanecer-se. Abusei demasiadas vezes do Suicídio e ele tinha-me como seu amigo. É mesmo isso, quando as pessoas nos dão mais nós tendemos a querer mais ainda. Faz parte da natureza do Homem querer sempre mais um pouco, nunca estar cheio.

Tenho-me morto incessantemente. Aplicar-se-ia aquela pergunta da grande amiga do reflexo:

“Quantas vezes morreste hoje?”

Responderia:

Hoje… Hoje não morri nenhuma. Hoje o dia está demasiado lúgubre, não me conseguiria suicidar. Mas tenho morrido tantas vezes, tantas quantas possas contar.

A primeira vez morri de inanição, talvez tenha sido a melhor forma de suicidar-me porque depois de dias a delirar e a fraquejar a dor é nula. Depois seguiram-se as overdoses e os enforcamentos, tiros no coração. Quando me aborreci tentei auto-defenestração contudo não gostei do estado em que o meu corpo ficou rebentado no chão e quando me lancei para o rio demorei dias a sair da água devido à corrente ter-me arrastado para o mar. Mais tarde cortei os pulsos e a carótida. Morte suja esta, e aviso já que é muito difícil rasgar o pulso direito depois de ter cortado o esquerdo. Roubei um carro e colidi contra uma parede de betão armado após ter tentado inalar os fumos tóxicos do cano de escape, morri inúmeras vezes por envenenamento de gases múltiplos, afogamentos. Por fim electrocutei-me e auto-imolei-me. Ah, e uma vez testei a teoria que se injectarmos ar na nossa corrente sanguínea morremos (e resulta).

Tem sido assim amiga… mortes consecutivas que até a Morte e o Suícidio desprezam.

Iouis dies:

As faces dos pássaros cantam para mim.

Rio e cumprimento-as com agrado.

Tenho asas de penas para voar ao lado das faces dos pássaros.

Eles não têm corpo. Contudo são aves, por isso voam.

Sinto-me bem apesar do vento me dificultar o voo. Hoje não me apetece morrer de modo algum. Pelo contrário, voar é o meu ofício. Vou viajar para lugares onde não vou há anos, visitar amigos perdidos no tempo.

Saturni dies:

Observo a ambiente que me rodeia. Eu sou o centro. Um ponto negro num mar de pontos de várias cores. As cores são indicadas pelo ícone cúbico em cima das pessoas como num jogo de computador. Eu posso desdobrar-me em várias personagens de várias cores mas segundo as regras não me é possível encarnar outros pontos correspondentes às outras personagens. Tenho um relógio de bolso que posso consultar. Diz-me quanto tempo tenho antes de morrer e o objectivo é ir contra-relógio arranjando modos de prolongar o tempo. Não é possível controlar o tempo de modo a viver eternamente…

Façamos o que fizermos, vai acabar por expirar o tempo no relógio sem que nunca saibamos ao certo quanto tempo falta porque o relógio é um simples relógio, não um cronómetro. Vamos sempre cometer um erro que nos impedirá de prolongar a nossa existência e “puff”… pára o relógio.

GAME OVER