2007-11-22

Dia 51

Dia 51:
Futilidades.
Sinto-me um pouco preso aqui e a única saída possível é a janela. Obviamente era necessário voar como os pássaros ou morcegos, esquilos voadores ou mesmo insectos esquisitos. Não me importava de voar como os heróis de banda desenhada desde que não fosse o super-homem. A verdade é que ele nunca voou embora fosse o que “eles” queriam que eu acreditasse. O super-homem possuía capacidades fora do normal mas tudo isso provinha da gravidade menor da Terra por isso apesar de todas aquelas proezas o seu voo não era nada mais do que uma capacidade para saltar mais longe e alto que qualquer humano. E vê-se logo pelo personagem que se ele vivesse em Kripton não passaria de um zé-ninguém como eu, ainda que fosse filho de membros do jet7 kriptoniano.
Preferia que fosse o meu pai a construir o meu par de asas como Dédalo fez com Ícaro. Assim podia fugir desta caixa que é o meu labirinto. Contudo nem voaria muito perto do Sol nem muito perto do mar porque já conheço o desfecho. Pobre Ícaro, aposto que se fosse agora ele nunca se aproximaria muito do Sol (Hélios/Apolo) porque já descobrimos que pode provocar queimaduras extensas na pele (e derreter cera).
Podia sair daqui de helicóptero, dirigível ou avião mas penso que nenhum deles poderia aterrar no meu telhado e eu não gostaria de subir aquelas escadas que se desenrolam para salvar vítimas; um salto de pára-quedas não ajudaria muito desta altura e não me sinto bem a voar de asa-delta ou parapente.
Por estas causas e devido ao mau tempo que se faz sentir lá fora tenho mesmo que ficar aqui dentro…enfim…
Sei para onde voaria se pudesse.

2007-11-20

Dia 50

Dia 50:
Continuo à procura de um significado lógico para a complexidade paradoxa da linha de pensamento. Somo e subtraio pontuação e nada sai daqui… Pelo menos actualizei-me…
Penso…
Penso…
Rumino…

Dias 45/46/47/48/49

Dias 45/46/47/48/49:
(Todos em um:)
Vá lá, acorda! Consegues ouvir-me? ACORDA!
Dou-me um estalo de um lado e depois do outro. Grito de novo: ACORDA!
Após um longo gemido abro os olhos remelosos que volto a fechar. Dou-me outro estalo e logo desperto. Ainda um pouco confuso observo o espaço enquanto me espreguiço, os meus ossos estalam, e encosto na cabeceira da cama. Estranho, não tenho noção do tempo mas estou no meu quarto.
A atonia dispersa-se e dá lugar a uma amálgama de memórias distorcidas. Poderá ser? Levanto-me, vejo as horas e o dia…é verdade, passaram cinco dias em que só dormi.
Dias 45/46/47/48/49.1:
Em flashbacks lembro-me:
Um homem, um castelo, uma mulher jovem, um concerto, uma mosca morta, um violino sem cordas, muitos relógios, um velho paupérrimo, pedinte, mendigo, uma mulher que chorava, um homem que ria, três crianças, aberrações, céu muito nublado, múltiplas viagens em vários transportes, um campo de futebol sem relva, sem jogadores, uma multidão despida, chuva, noite, uma bebedeira, murmúrios, uma velha sorridente cuja dentadura caía, um camião gigante, um atrelado, família, amigos, uma tenda aberta, um funil parecido a uma chaminé, jóias de ouro e prata, plástico derretido, papel rasgado que primeiro voava e depois se empapava em água, o oceano, as lágrimas salgadas, muitos pássaros, canários amarelos e vermelhos, pintassilgos, dois pombos que levantavam voo, papagaios, um pombo tão fino quanto papel, tripas no chão, um falcão, uma estrada sem rumo, sem indicações, paralelepípedos dispostos aleatoriamente no chão, um céu azul, ela, uma nuvem com asas de veludo, um casaco rasgado, um corpo deitado, um autocarro com as rodas no tecto, uma aranha de estimação, um coração parado, uma fotografia revelada, um pano manchado, uma máscara do fantasma, óvnis que faziam as pazes com os nativos, uma corrente de água muito forte, uma barco de papel, um navio com mercadoria, drogas, várias mulheres deitadas na estrada à espera que o navio passasse, um telhado de chocolate, congestionamento, uma taça de vinho tinto, uma mesa posta à espera da sobremesa, uma banda a tocar tachos e panelas com talheres, uma biblioteca sem livros, uma faca afiada, cartas por abrir, uma conversa, música surda, mais relógios, um ladrão de ovos, uma tesoura aberta, um guardanapo sujo, uma mulher anafada, uma lâmpada fundida, um tesouro na ilha deserta, cem palmeiras, um homem com uma espada, rádios sintonizados, volume alto, um computador desligado, um teclado verde, roupa de cabedal, um túnel iluminado, outra viagem, um comboio a apitar, o vapor da chaleira, o chá derramado, as formigas no açúcar, as mesmas formigas mortas, uma borboleta quadrada, a morte encarnada ao virar da esquina, uma transmissão via satélite, uma nave, uma igreja antiga, um túmulo, um visitante inesperado, calafrios na espinha, um palito que era um fósforo, explosões tornadas em fogo de artificio, o mesmo túnel durante o dia com as luzes apagadas, o sentimento que alguém me batia.
Dias 45/46/47/48/49.2:
Tento em vão organizar os “frames” mas não resulta.
Talvez seja assim que deve ser lembrado.
Não há conjunções…

2007-11-15

Dia 44

Dia 44:
Os olhos encerram a porta da realidade. A imagem branca carregada nas cortinas de pele manchada pelo vermelho sangue que só se deixa ver nessa luz. As sensações contudo misturam-se num traço único que divide o pequeno universo da escuridão.
Assim se tem passado esta ultima hora. Desvendo os silêncios escondidos no fundo da cor escura entre pontinhos brilhantes que formam as imagens luminosas que aí se encontram.
Se olhar para aquele ponto as luzes tornam-se maiores.
Se suspirar e depois parar a respiração o coração toca no cérebro e desfaz a tinta verde que ficou debaixo. Mas só estas manchas se conseguem diluir de volta em água. As outras continuam a cintilar até que se forme uma névoa que se desvanece enquanto entro.
A partir daí vai-se revelando mais clara… por vezes apresenta tons escuros que se vão prolongando até ao vazio. Nunca ousei chegar lá. Fico-me pelo mundo das cores escravas.
O coma…
A névoa volta…
Regresso ao primeiro ponto.

2007-11-13

Dias 25/26/27/28/29/30/31/32/33/34/35/36/37/38/39/40/41/42

(Tenho-me apercebido nos últimos dias que quando “visito” este blog nada foi escrito. Pergunto-me o que fazer, visto ter-me prometido a escrever para ele todos os dias. Obviamente isso não aconteceu por vários motivos que a mim interessam.
Por que não faço as coisas que deveria fazer?
Por que faço o que não deveria fazer?
Por quê tantas perguntas?
Penso, penso muito em tudo, observo muito tudo o que me rodeia. Isso cria em mim uma infinidade de memórias, cheiros que se evadem ao vento, imagens que se desfocam no cérebro. O resultado de me comprometer a escrever todos os dias e não o fazer é a explicação de num dia escrever todos aqueles que faltam descrever. Memória:)
Dia 25:
Maldita Preguiça!
Ok, peço desculpa…mas aquela senhora irrita-me. Odeio quando me vem visitar e obrigado a receber bem como estou não posso impedir que me apareça cá em casa.
Isto da moral e dos bons costumes tem que se lhe diga. Não gosto que as pessoas me julguem pelas aparências mas a sociedade obriga a isso.
Sexta de manhã eu estava a dormir. Penso que foi o meu maior erro porque de outro modo ela não se auto-convidaria no meu sonho. Acordei repentinamente, desanimado por não ter a coragem necessária para negar o convite daquela senhora simpática. Como previsto chegou a minha casa logo no início da tarde e sentou-se ansiando pelo chá que preparava sempre em casa e levava para todas as suas visitas num termo. Pediu-me duas chávenas, colher, açúcar e enquanto os colocava na mesa mandou-me sentar. Organizou-os desordenadamente e verteu nas chávenas o líquido que descrevia como imprescindível para a sua existência. O açúcar ficou manchado pelas colheres molhadas devido a ela tê-las posto nas chávenas mesmo antes de deitar o chá. Bebeu uma chávena apressadamente como se fosse a última coisa que fosse fazer e logo a reabasteceu.
Aconchegou-se na cadeira e começou a contar-me histórias da sua juventude que nada interessam para aqui. Torturou-me durante seis longas horas. O chá desaparecia da chávena e ela logo a voltava a encher; deitava sempre duas colheres de açúcar e lambia o resto que ficava colado na colher. O açucareiro foi aos poucos tornando-se de uma cor amarelada. Aquela prática foi-se repetindo pela tarde; histórias, chá, açúcar. Incrivelmente nunca se acabou o chá nem sequer arrefeceu. Para mim aquele termo tinha uma capacidade espantosa. Sorria enfadado pelo seu monólogo e tentava acompanhá-la na bebida…bebi quanto chá podia e parei após várias idas á casa-de-banho.
Quando saiu não mais me consegui levantar daquela cadeira. Aquele tempo pareceu durar duas semanas.


Dia 26:
Estou tão mal…
Acordei como se a minha vida fosse acabar neste dia.
Eram 11h36m: fui surpreendido pelo bater na porta, agressivo, que me despertou tão abruptamente quanto podia. Levantei-me apregoando umas palavras que ninguém gosta de ouvir, dirigi-me à porta e abri. Não podia acreditar. A senhora Doença estava ali à minha porta com o olhar malvado de sempre fitando-me à espera que apresentasse o meu pedido de desculpas pela demora a abrir a porta. Não lhe dirigi palavra e voltei para a cama…
A Sr.ª Doença aparece sempre sem avisar. A qualquer hora do dia quando menos espero lá está ela a bater à porta esperando que a receba de braços abertos. É uma pessoa extremamente arrogante e antipática que se limita a sentar em qualquer lugar e passar o dia a olhar fixamente para mim. Segue-me para onde quer que vá e assim permanece até se fartar e ir embora. Estou farto dela, parece que me anda a vigiar há duas semanas.


Dia 27:
Ainda não recuperei destas duas visitas e pelos vistos tão cedo não se desvanecerão.
As duas senhoras marcaram-me de modos diferentes:
A preguiça, ausente, deixou-me num estado de alienação total em que me mantenho imóvel.
A doença, presente, acompanha-me para onde quer que vá e impossibilita que esteja sossegado em qualquer parte.

(Este estado repete-se ao longo dos próximos dias. Estas frases não estarão escritas mas pertencerão também a eles.)


Dia 28:
Conto 4 paredes,
8 cantos,
4 superiores e
4 inferiores,
1 porta x2, fechada,
1 janela aberta,
1 meio aberta e outra fechada que resumem
3 janelas no total.
10 gavetas com diferente conteúdo,
1 cadeira enferrujada, outros móveis…
1 cama donde não saí ainda e
1 tecto tridimensional.
Este tem sido o meu espaço.


Dia 29:
Uma orquestra está dentro da cabeça.
O corpo é feito de suor.
Voltas no mesmo lugar envolto em lençóis de água salgada.
Deliro…


Dia 30:
Hoje completaria um mês.
Um mês que escrevo aqui.
Na realidade esse mês passou sem que o tivesse escrito e o mês acabou mais tarde que isso… dias depois…
Ninguém sabe os motivos.
Contudo as desculpas são já bem conhecidas.


Dia 31:
Deitado, num estado catatónico, os ponteiros de relógios onde os ponteiros não existem avançam sobre a forma de dois pontos vermelhos intermitentes. Um som mudo representa o “tic tac” e os segundos demoram-se pelo ar. Suspiro.
Dia 31.1:
Uma rua à minha frente que se divide em duas, depois em três.
Caminho sem parar embora os meus passos se alonguem na calçada. Passo por uma montra e vejo-me no vidro desse expositor. Tenho vislumbres de um homem velho que anda como quem carrega o peso de anos nas costas. Tusso! Ao seu lado está aquela mulher desprezível, a doença.
Persegue-o…
Persegue-me…
Continuo a minha lenta demanda sempre ansiando por voltar ao ponto de partida.
Deito-me novamente. Ela sentada, observa-me…

Dia 32:
Pequenos e pobres textos.
Parece que o que havia a escrever foi escrito e tudo além disso é uma repetição dos mesmos acontecimentos.
Nada mais aconteceu…
Estou só entre viagens, delírios e apatia.
O que poderia ainda ser narrado não o pode ser.


Dia 33:
0


Dia 34:
Re-


Dia 35:
Oco.


Dia 36:
Nada.


Dia 37:
Fútil.


Dia 38:
Inútil.


Dia 39:
Estéril.
Dia 39.1:
Este tempo todo para recuperar de duas visitas. Finalmente acordei predisposto a fazer algo. Todos os sintomas tinham já desaparecido e levantei-me com energia suficiente para deixar a luz entrar. Abri as cortinas e respirei fundo…
Senti-me livre…
A senhora Doença tinha já ido embora e há muito que a senhora Preguiça tinha sido esquecida. (Julgava eu…)
Dia 39.2:
Depois do banho, enquanto me preparava para sair o telemóvel começou a tocar. Inconscientemente atendi e imediatamente reconheci a voz do outro lado. A senhora Preguiça que se encontrava nas redondezas teve a gentileza de se convidar a aparecer.
Ainda tentei dissuadi-la mas foi impossível. Num minuto encontrava-se já na porta à espera que abrisse.
Desliguei a chamada e fui abrir.
Mais uma vez.
A re-petição:
Sentou-se, pediu as chávenas, dispô-las na mesa, serviu o chá do termo, contou histórias…... ...


Dia 40:
Um Zero…
O retorno a uma repetição recopiada, a um corpo oco.
O regresso do nada fútil, inútil, estéril.



Dia 41:
...um zero…


Dia 42:
Estéril, inútil, fútil, o nada a que regresso.
Oco este corpo, retornado a uma réplica repetida.
Um Zero…

2007-11-07

N.B.3:Dou-me só mais um dia, senão desapareço… Organizo-me.