2008-02-28

Dia 150

Dia 150:
Quando me vejo a correr no meio daquela mata sou jovem. Sou novamente jovem dentro da minha juventude… faz-me lembrar que sei correr… agora só ando e espero chegar ao dia em que não possa andar mais…claro que provavelmente não vai chegar porque eu não deixo. Antes disso selarei o meu cavalo e partirei a galope em direcção às nuvens. Tudo isto durante o sono, durante o sonho.
O meu cavalo não precisa tornar-se um Pégaso para voar, nem precisa da magia do Unicórnio.
O meu cavalo só precisa de cavaleiro e desse mundo que está à minha espera todos os dias….
O meu cavalo voa sem asas ou magia.
O meu cavalo é livre…
O meu cavalo abandonou-me…
Já não o cavalgo há séculos desde que o homem os escravizou…
O meu cavalo é selvagem…
Sei que um dia vai voltar e levar-me para o sol poente… De manhã, às vezes, pensei vê-lo chegar ao longe mas logo reparei que era uma ratazana, um qualquer mamífero rastejante e não está assim tão longe de mim… Se fosse maior poderia carregar-me com a mesma subtileza do cavalo… mas o seu tamanho não me permite cavalgar…
A sua beleza é a do cavalo…
Todos os seres são iguais em beleza…
Bebo… sorvo o líquido que me inebria…

Dia 149

Dia 149:
Ando à procura do que procuro…
Fiquei assim nestes últimos minutos. Eis o que se passou:
Acordei a pensar em qualquer coisa. Depois de me levantar com muito esforço comecei a procurar algo, primeiro no meu corpo onde nada encontrei, então na cama. Levantei lençóis, cobertores, colchão e finalmente os pés… nada estava lá…
Passei para o resto do quarto. Estive horas a desmontar e montar gavetas, a remexer lá dentro, a olhar debaixo e atrás dos armários.
Houve um momento em que quase encontrei o que procurava mas então esqueci-me do que demandava.
De facto achei mais do que estava à espera, desde recordações a bocados de comida putrefactos e coisas empoeiradas perdidas no tempo.

Dias 99/100/101/102/103/104/105/106 a 137/138 a 148



Dia 99:
Uma noite mal iluminada fez com que me viesse aconchegar na poltrona perto da lareira. Acendo o cachimbo da imaginação e deixo-me divagar pelo espaço sem que me mova. Simultaneamente aprecio o calor acabado de sair das brasas que espicacei…
A chuva, lá fora, deixa fluir um som inebriante que adicionado ao crepitar do fogo me permitia chegar ao transe. Estava em paz comigo mesmo, como se acabasse de ter um orgasmo. Quando tudo parece estar em sintonia levanto-me com um arrepio nas costas…
Eu não acabei de pensar isto… como pude?
Como posso estar a ser preconceituoso em relação às pessoas preconceituosas?
Estou a ser.
Em vez de tentarmos dividir o todo num grupo e dissecá-lo até um indivíduo por que não partir de um indivíduo para um todo? Que ridículo… não faz sentido…


Dia 100:
Acordei a pensar no que pensei quando pensei que estava a pensar.
Eu tenho que ser assim em relação ao objecto não vá ele virar-se contra mim. Conquanto neutro é impossível não ser parcial. Estes paradoxos andam a virar-me do avesso. Já nem sei quem comeu o iogurte e deixou a colher para as formiguinhas se deliciarem com o banquete.
Dia 100.1:
Hoje levanto-me feliz…
Saber que pessoas tão verdadeiras, tão cheias de vida, sempre cheias de vontade de ajudar o próximo.
Esta gente que se levanta como eu não me levanto…
Esta gente que está sempre disposta a abdicar dos seus bens para o próximo…
Esta gente que vê todos como iguais independentemente do contexto…
Esta pessoa que até parte dos seus defeitos para compreender e aceitar a diferença…

FODAM-SE!!!
(Esta parte a seguir foi censurada por mim. Mas o texto está lá… é só ler)
Merda de gente possessiva e egoísta…
Merda de gente que só se vê a si como exemplo a seguir…
Merda de gente que põe sempre os seus defeitos nos outro!
FODAM-SE TODOS!
Morte ao Homem…


Filhos da puta sejam todos aqueles que querem que sejamos todos ovelhinhas a seguir o pastor!
Filho da puta, tu, pastor que matas as tuas ovelhas para as devorares, usando tudo até ao osso…
Filhos da puta!!!


Dia 101:
Não sei o que hei-de fazer…
Estou com um enjoo matinal… Vou vomitar um bocado e já volto….
Tusso, espirro, acendo um cigarro… (pelo menos aqui posso fumar. Sei que há onde não possa)
Tenho-me sentido com frio. E já desde a passagem de ano… também estou a ficar um pouco engripado. Não me preocupo.
A televisão ajuda:
Está um temporal e apetece um cigarro. Com esta lei não se pode fumar dentro de espaços fechados então a melhor solução é comprar aquelas pastilhas para ajudar a reduzir para depois deixar. Enquanto não deixo continuo a ir lá fora e fico doente. Logo a seguir a resolução do problema. Aqueles comprimidos que resolvem todo o tipo de males. E eles sabem o que é estar constipado…
O problema é que não tenho dinheiro… problema resolvido… dinheiro na mão… e sem juros…
Ainda dizem que a televisão é má…
Dia 101.2:
O dia deu uma volta. Estava a chover… Fez-se sol. Estava frio e ficou calor…
E foi bom... Foi pouco mas bom…






Dia 102:
Com os olhos enevoados pela cegueira do despertador nem quero acreditar. Já é dia.
Plena manhã. Não estou habituado a isto mas estou tão bem. O frio do último dia desapareceu e toco uma nuvem de algodão doce tão suave quanto posso imaginar.
Pena que este sentimento se evada tão rápido e o frio volte em poucas horas… Deixo-me dormir acordado enquanto as janelas passam pela paisagem ora verdejante ora acinzentada.
Como e bebo e volto a caminhar. Cheguei. Estou aqui e já me apetece ir embora. Sair para um mundo onde me encontro no momento seguinte ao delírio a preto e branco…


Dia 103:
Nada…


Dia 104:
Começa pelo branco. Só branco... Tudo é de uma claridade que me transmite a paz da luz...
No fim da paz vem a revolta, a melancolia de morte, a dúvida...
Sem carruagens para me carregar levo o meu próprio fardo sem pedir ajuda. Este é pesado, muito pesado, a cada passo a dificuldade aumenta. A impotência vem depois da luz.
O antes é ansiedade e desejo.
O momento é êxtase, lucidez e beleza.
O depois é paranóia, cobiça, angústia, mágoa, obsessão, é silêncio...
De olhos bem abertos enfrento a realidade depois do sonho pintado de branco.
Dia 104.1:
O corpo é inflamável.
Por vezes o combustível é o próprio oxigénio que desce aos pulmões.
Espero aqui impacientemente pela saída mais próxima mas não encontro o sinal senão horas depois. O desespero acumula-se...


Dia 105:
Resquícios de stress pós-traumático. E não sei o que fazer…
Convenço-me que esta é mesmo a minha realidade porque não tenho para onde fugir.


Dias 106 a 137/138 a 148:
Dia 106 (137?):
Andava eu aqui atarefado com o Dia 106 quando vi que no calendário estava já no Dia 137.
Revoltei-me!!! Claro que me revoltei porque nem me apercebi do passar dos dias mas mudei os dias no calendário por isso este não pode estar enganado.
Será que estou a alucinar assim tanto? – Penso eu, enquanto me debato para encontrar respostas. Como sempre só me trazem mais perguntas.
Ainda ontem era Dia 106. Tenho a certeza que ontem era Dia 106. Eu lembro-me de ter olhado e era mesmo Dia 137. Rumino e rumino, dou voltas e voltas à minha cabeça e não encontro motivo algum para tal distorção do meu pensamento. Até me julgava uma pessoa de lógica. (Todos os Jeiyo o são.)
Penso mais um pouco e começo a julgar-me um Arquimedes a dizer “Eureka, Eureka!” enquanto saio da banheira nu e me encaminho para a rua nos mesmos trajes depois de descobrir como calcular a densidade dos corpos… o problema é que não sou matemático, físico ou qualquer coisa semelhante e muito menos descobri a causa destes dias terem parecido apenas um. Julguei ter encontrado a solução no facto de me parecer Dia 1 ainda anteontem. Por minutos a minha teoria fez todo o sentido mas depois apercebi-me que se assim fosse não poderia de modo algum ser Dia 137 nem Dia 106. Hoje só poderia ser Dia 3 e como já verifiquei não o é…
Resta-me uma consolação:
-Procurar uma causa…
Dia 138 a 148:
Depois de dez dias a pensar e pesquisar sobre o assunto não descubro nada de significativo/explicativo…
Começo mesmo a odiar a palavra “DIA”…
Que raio de nome atribuíram a tal conceito… tão imperfeito, incompleto, ridículo, confuso…
Veja-se então o conceito:
- É uma unidade de tempo correspondente a 24 horas (24,016438s) ou 86,400 segundos, o tempo que a Terra demora a executar o movimento de rotação no seu eixo imaginário ou ainda 23 horas, 56 minutos e 4 segundos que é o tempo que este planeta demora realmente a girar 360º sobre si mesmo...
- É o tempo que vai desde o nascer ao pôr-do-sol.
- É um ano (para Deus) …


Estas são as mais comuns mas posso ver que encontrei muito mais, muitas mais raízes e derivações. Que confusão… o que é afinal o dia? Quando tempo dura?
E o meu relógio biológico estará certo?
Já ouvi falar de pessoas que perderam a noção de dia e que os seus ciclos chegaram às 36-48h mas apenas mediante condições anómalas. Fico como comecei, sem respostas…
Dia 148.1:
Quando me perdi nesta rede temporal observei que estes dias não tinham somente escapado entre as minhas mãos mas todo o tempo tinha colapsado num dia apenas formado de luz e escuridão infinitas.
Conotei e apontei numa folha rasgada:

“O Dia não existe…”
Não me lembro de o ter escrito mas caiu-me aos pés. Como posso eu, Ego, manter um diário fiel à sua estrutura.
(Impossível!)