2009-04-29

Lunae dies, Martis dies

Lunae dies:

Isolamento!

Criei uma sinfonia que só os meus ouvidos conseguem ouvir, pus o volume no máximo e fiquei surdo para o mundo exterior. Coloquei uns óculos de sol, fechei os olhos e tornei-me cego para o que me rodeava.

Abstraído percorri os chãos de alcatrão, de calçada, de vegetação. Choquei contra algo que pelo tacto se assemelhava a uma árvore. A sinfonia continuava… molto allegro… não abri os olhos. Palpei o obstáculo até o contornar e segui caminho. Senti os pés a molharem-se.

No meu interior, além de música e completa escuridão provenientes do lado físico, havia uma mistura de cores nunca descobertas. Dei-lhes os nomes de ciloca, ablinho, hálcia, harim, ôrmil, sáve, liroca e queto. Deixei a cor queto para o fim porque foi a minha preferida. Quando abri os olhos de novo, quando acabou a sinfonia, estava num lugar estranho, no meio de uma estrada com carros a buzinar-me. Pedi informações sobre o caminho de volta a casa e corri para lá. Fiz uma mistura de pigmentos mas nenhum deles se tornou a cor queto. Conclui que estas cores não podem ser criadas nem vistas a partir de nenhuma outra cor. São as cores da alma, as cores do sonho, as cores do id…

 

Martis dies:

É difícil ver coisas porque as coisas são e podem ser tantas coisas.

Eu vi tantas coisas.

O que são coisas?

O que é a palavra COISA?

Digo “coisa” e não me soa a nada. Não sei onde foram buscar estas coisas.

É coisa-ruim!

Coisa!!! Será alguma coisa quando pode ser tudo?

Quando digo que vi uma coisa, o que vêem os outros como essa coisa?

Será a mesma coisa que eu vi?

Serão coisas todas aquelas coisas que não temos nome para descrever?

Será deus uma coisa?

Que coisa estranha, coisa.

Quem inventou a palavra coisa devia estar coisado senão chamar-lhe-ia outra coisa qualquer. E quando sinto uma coisa, o que estou a sentir? Eu nem sei que coisas sinto!

Sinto-me uma criança que sabe somente coisas e que nem sabe que coisas sabe.

Sinto-me coisado.

Será que penso nestas coisas quando as escrevo?

Coisa bizarra…

 

A aranha está a percorrer a tinta amarela do meu lápis. Demora eternamente a atravessar e preciso usá-lo. Pronto, já está na extremidade da mesa, será que vai saltar?

Seis minutos de Tchaikovsky.

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