2009-03-11

Martis dies, Iouis dies, Saturni dies

Martis dies:

O Suicídio veio falar comigo. Mostrou-se claramente indignado pela forma como me tenho suicidado, diz que as minhas mortes já não estão a ser originais, que me repito demasiado. A Morte mostrou o mesmo descontentamento e até chegou a dizer indirectamente que se voltasse só por causa do meu corpo dependurado não valia a pena avisá-la, assim como mandava em vez dela um subalterno. Considerava até que a prevenisse somente quando o meu corpo estivesse num estado mais avançado de putrefacção.

Eu percebo o desapontamento quer do Suicídio quer da Morte. A verdade é que depois de semanas de suicídios, de dias em branco, confesso que começa a perder a piada. A princípio pensei logo em diferentes modos de me executar. Obviamente, passadas semanas essa originalidade começa a desvanecer-se. Abusei demasiadas vezes do Suicídio e ele tinha-me como seu amigo. É mesmo isso, quando as pessoas nos dão mais nós tendemos a querer mais ainda. Faz parte da natureza do Homem querer sempre mais um pouco, nunca estar cheio.

Tenho-me morto incessantemente. Aplicar-se-ia aquela pergunta da grande amiga do reflexo:

“Quantas vezes morreste hoje?”

Responderia:

Hoje… Hoje não morri nenhuma. Hoje o dia está demasiado lúgubre, não me conseguiria suicidar. Mas tenho morrido tantas vezes, tantas quantas possas contar.

A primeira vez morri de inanição, talvez tenha sido a melhor forma de suicidar-me porque depois de dias a delirar e a fraquejar a dor é nula. Depois seguiram-se as overdoses e os enforcamentos, tiros no coração. Quando me aborreci tentei auto-defenestração contudo não gostei do estado em que o meu corpo ficou rebentado no chão e quando me lancei para o rio demorei dias a sair da água devido à corrente ter-me arrastado para o mar. Mais tarde cortei os pulsos e a carótida. Morte suja esta, e aviso já que é muito difícil rasgar o pulso direito depois de ter cortado o esquerdo. Roubei um carro e colidi contra uma parede de betão armado após ter tentado inalar os fumos tóxicos do cano de escape, morri inúmeras vezes por envenenamento de gases múltiplos, afogamentos. Por fim electrocutei-me e auto-imolei-me. Ah, e uma vez testei a teoria que se injectarmos ar na nossa corrente sanguínea morremos (e resulta).

Tem sido assim amiga… mortes consecutivas que até a Morte e o Suícidio desprezam.

Iouis dies:

As faces dos pássaros cantam para mim.

Rio e cumprimento-as com agrado.

Tenho asas de penas para voar ao lado das faces dos pássaros.

Eles não têm corpo. Contudo são aves, por isso voam.

Sinto-me bem apesar do vento me dificultar o voo. Hoje não me apetece morrer de modo algum. Pelo contrário, voar é o meu ofício. Vou viajar para lugares onde não vou há anos, visitar amigos perdidos no tempo.

Saturni dies:

Observo a ambiente que me rodeia. Eu sou o centro. Um ponto negro num mar de pontos de várias cores. As cores são indicadas pelo ícone cúbico em cima das pessoas como num jogo de computador. Eu posso desdobrar-me em várias personagens de várias cores mas segundo as regras não me é possível encarnar outros pontos correspondentes às outras personagens. Tenho um relógio de bolso que posso consultar. Diz-me quanto tempo tenho antes de morrer e o objectivo é ir contra-relógio arranjando modos de prolongar o tempo. Não é possível controlar o tempo de modo a viver eternamente…

Façamos o que fizermos, vai acabar por expirar o tempo no relógio sem que nunca saibamos ao certo quanto tempo falta porque o relógio é um simples relógio, não um cronómetro. Vamos sempre cometer um erro que nos impedirá de prolongar a nossa existência e “puff”… pára o relógio.

GAME OVER

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