2008-06-01

Dia 243

Dia 243:
Não consigo deixar de notar que nestes tempos miseráveis que tenho passado o meu medo cresceu imenso. Evoluiu tanto que temo que este pavor tenha já tomado uma forma bizarra; e quando vejo este ser curvado sobre si mesmo com costas espinhosas, sorriso ténue acho que ele está mesmo lá. Dou por mim a olhar para trás a cada minuto que passa quando não estou a olhar para o chão tentando desvendar a sua sombra tenebrosa. Ao fundo do corredor ouvem-se barulhos com voz de pessoas a cacarejar. (Sim, as pessoas cacarejam tão bem como qualquer galinha.) Tenho ainda mais medo. Tive a sensação eu alguém entrou aqui mas escondi-me rapidamente e não cheguei a ter uma boa perspectiva. Tenho passado muito tempo omitindo-me de mim mesmo. Já não me vejo reflectido, privado que estou do universo em que vivi outrora. Não sou mais um ser sociável. Não sou mais parte da sociedade. Pergunto-me de quando a quando, enquanto imagino o meu reflexo na sombra. Afinal sou mesmo eu que estou ali. Sou mesmo. Não sei se sou. Há rangeres de madeira fincada em alumínio que me fazem suster a respiração. Não sei se o predador tem olhos ou ouvidos. Pode ter sensor térmico e nada disto me valia. Se pudesse apagava a luz mas não chego ao interruptor. As luzes estão desligadas. Ouve-se uma música ao fim de três dias. Por que razão não a ouviu nos dois dias anteriores se viu que estava lá. Viu-a com os dedos de porcelana da loiça… Tenho que me esconder novamente.
Vêm aí passos… Só passos… Ninguém vem com os passos…

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