2008-04-21

Dias 193/194/195/196/197/198/199/200/201/202

Dia 193:
Ando a fazer vigílias na rua…
Não é que pressinta que algo está ou vá ficar errado mas sei-o… algo que intriga, o meu instinto não falha e quando falha é porque algo está errado!


Dia 194:
Continuo nas vigílias. Vejo entretanto uma cena que apesar de não me causar surpresa deixa-me a olhar especado. Sei que não é isto que está errado:
Alguém parte com um machado a porta da igreja una, santa, católica e apostólica… O público aplaude…
Pinheiros ardem…
Mulheres olham…
Os espaços estão tão vazios…
O sumo pontífice fode toda a corte papal e, enquanto pastor, o rebanho (não esquecer que o motivo principal do pastor possuir um rebanho é ter um modo de subsistência e alimento). Os cardeais que são fodidos pelo papa fodem os bispos, presbíteros, diáconos e o povo (obviamente). Os bispos fodem os seus irmãos arcebispos, os padres e os diáconos…não esquecendo o povo. Os presbíteros são enrabados por quase todo o clero mas ainda conseguem enrabar os pobres leigos e as ovelhas tendo especial carinho pelos borregos.
O povo assiste impávido e sereno…
Farto do espectáculo continuo a demanda de encontrar o que está errado.


Dia 195:
O meu diário tem dois formatos. Como acompanho a evolução dos tempos sinto-me forçado a ter um no formato digital. Contudo antes de me sentar numa cadeira a escrever sem caneta já tenho escrito no meu verdadeiro diário. Este anda sempre comigo e é um pequeno bloco. Um dia vai juntar-se a todos os outros diários que estão guardados no mesmo sítio para onde este vai. Não revelo o lugar porque não o quero encontrar. Então hoje decidi mostrar um pouco do original para que não me esqueça:


Dia 196:
O mistério continua e não sei quem são essas pessoas que vêm calmamente. São os anónimos. São estes os que passam por mim e que embora saiba que os conheça não sei donde e são também as pessoas que me conhecem, cumprimentam-me e não sei quem são. Por vezes sei o nome e não sei a quem pertence a face, outras vezes é o oposto, reconhecendo as faces e desconhecendo os nomes.
A maior parte do tempo acontece que não sei o que fazer a não ser ignorar. Isto porque quando não o faço fico dias inteiros a pensar. Por isso tento esquecer as pessoas e tudo se repete com ainda mais gente… torna-se um círculo vicioso de des-conhecidos.


Dia 197:
Sei que o meu problema não é o do dia anterior mas volto à estaca zero. É outra coisa, sei-o, e aproximo-me dele. Tive uma visão durante a noite e ele estava pendurado numa cabana perto da praia. (Sendo que a cidade, como que por magia, afastou-se do seu pólo e dirigiu-se à praia. Não é invulgar as cidades do meu mundo mudarem de lugar. O mais difícil é encontrá-las depois.)
A busca pelo que está errado continua…
Aproximo-me da conclusão….
Sigo as pistas…


Dia 198:
O dia de hoje decorreu com uma normalidade estranha, assustadora. Não fiz nada a não ser reunir os meus apontamentos e tirar elações. Escrevo tão rápido que a minha letra se torna praticamente uma linha ambígua e ilegível. Estou tão perto de chegar a uma conclusão que a minha aflição aumenta de intensidade e absorve-me por completo. Já nem vejo o meu rosto.


Dia 199:
Encontrei a resposta que tanto procurava e o que há de errado em tudo…
Agora preciso de me confrontar com a situação…


Dia 200:
Sou uma personagem descartável.
Os indícios que me levam a dizer isto vêm já de trás, muito antes de achar que algo de estranho se passava comigo, talvez logo à nascença o meu instinto me levasse a crer que o era mas só agora me consegui decidir a procurar a verdade. Os sinais eram óbvios. Não o estou a dizer de ânimo leve e já tentei refutar a minha própria teoria desde que a ela cheguei e não encontro um ponto fraco para que o possa fazer. As provas são irrefutáveis. Sou mesmo uma personagem. Daí me identificar com outras personagens (essas valiosas) e não conseguir ver o meu rosto quando mais preciso de o ver. A única prova de que possuo um rosto vem de uma imagem desfocada nas minhas memórias.
Os meus apontamentos são extensos e analisei-os em profundidade e não encontro uma forma de escapar embora o tente fazer numa linha, num ponto. Sou uma personagem.
Não sou um fantoche ou marioneta. Sei que tenho total liberdade de movimentos e expressão, consigo pensar por mim próprio porque de outro modo não conseguiria chegar a esta conclusão. Sei que não tive um deus criador porque nunca senti a sua mão sobre mim, mas então como nasci? Para esta questão não encontrei qualquer resposta mas não me apetece procurá-la.
Ao encontrar uma resposta só consegui encontrar mais perguntas, mais difíceis de responder. Estes factos retiram-me a energia de procurar algo mais que tenho receio de encontrar. Posso encontrar algo tão podre em mim que não queira mais viver.


Dia 201:
Sinto-me tão pequeno. Diminui tão drasticamente que demoro horas a andar o que anteriormente fazia num segundo. Mas não foi o meu corpo que diminuiu, esse consigo palpar e está do tamanho normal. É ao interior que me refiro, este é que diminuiu de tal forma que está mais pequeno que uma formiga. Ah, quem me dera ter o tamanho da formiga e ter a força proporcional ao seu tamanho. A minha força encontra equivalência no reino das plantas. Obviamente não possuo a força de uma árvore secular. A minha fragilidade é a de uma pequena flor. Já não tenho pétalas, sou só um caule verde, esguio, e uma ou duas folhas. Tenho medo de ser pisado. Ninguém pisa uma flor quando esta tem pétalas porque é bela. Mas quando se é um caule pode-se ser pisado, arrancado do chão, como uma erva daninha… E é o que me sinto agora. E é o que quero que me façam. Que me arranquem como se arrancam essas ervas daninhas, ou que me matem com um qualquer herbicida.
Por que motivo fui eu ser tão curioso? Podia ter-me simplesmente alienado e nunca descobriria que sou só uma personagem…


Dia 202:
Após um dia a caminhar cheguei à porta. Preciso mesmo de sair daqui e apanhar ar. Não tenho força para abrir a porta…

1 comentário:

Anónimo disse...

201 ...
...