2008-05-30

Dias 229/230/231/232/233/234/235/236/237/238/239/240

Dia 229:
Um banho na água que posso beber está decididamente fora de questão. Contudo tenho que arranjar uma solução para a escassez de recursos que começa a surgir como um pequeno senão e porventura irá tornar-se a causa da minha morte.
Hibernação foi a primeira solução que ponderei, sendo a mais plausível, contando com o facto de poder poupar comida e bebida, para não falar que enquanto estivesse nesse estado poderia não pensar nestes problemas. A verdade é que durante todos os dias que passasse nesse estado, pesadelos irromperiam através dos sonhos e eles não cessariam. Acredito que para resolver problemas é preciso enfrentá-los. (Todavia esta bela teoria não se aplica a mim, preferindo eu evitá-los, esquecê-los…)
Hibernar não seria a solução. Apenas estaria a adiar o inevitável. Os animais que se colocam num estado dormente em alturas que rareiam alimentos sabem que na época em que despertam há fartura. Eu, por outro lado, sei que terei os mesmos alimentos que agora, ou ainda menos, podendo até ser roubado, e no momento em que acordasse estaria já morto. De qualquer forma não tenho bens alimentares suficientes para me engordar ao ponto de passar tal privação. Logo, recorrer à letargia é uma atitude insensata que não devo tomar.
Outro método que poderia falhar, por motivos muito semelhantes a estes, é o racionamento de recursos.
Tenho que encontrar uma medida que funcione…
E não posso deixar-me arrastar nesta condição.


Dia 230:
Após ponderação nocturna em que equacionei múltiplos factores resumi-me a dois desfechos possíveis.
A primeira destas resoluções é a mais fácil de concretizar e resolveria todos os meus problemas. Todos… nunca mais necessitaria preocupar-me com a palavra problema e as suas causas ou com a palavra solução e as suas incertezas. É ao suicídio que me refiro. Bastava lançar-me da secretária e seria o fim, deste diário, da minha dualidade, de tudo, de nada… A queda seria alta mediante o meu tamanho insignificante. Seria fatal… É nesta solução que me debruço neste momento e (in)felizmente não encontro muitos pontos negativos.
A outra das duas soluções possíveis a que cheguei é a excursão pelo quarto à procura de outros restos que tenha deixado em mais cantos obsoletos. A viagem seria longa e penosa. A probabilidade de encontrar alimento seria enorme uma vez que não costumava limpar frequentemente os meus aposentos, e tinha o hábito de comer aqui. Cria-se o problema da bebida. Como poderei eu carregar líquidos na minha demanda? Já houve uma altura em que não precisei beber e percorri longas distâncias sem sequer me lembrar.
É essa a chave, esquecer-me…
Se me esquecer não precisarei iniciar uma busca, mas enquanto me lembrar que me tenho de esquecer não conseguirei esquecer…


Dia 231:
Tentei não me lembrar mas não consegui.
É extremamente difícil esquecer que não me quero lembrar que tenho que esquecer o que estou continuamente a lembrar.
Que dor de cabeça…
Estou farto, vou optar pela solução mais fácil. Dirijo-me para a berma da secretária e olho para baixo. A altura é vertiginosa; dou o passo em direcção a esse abismo. Não consigo… Tento lançar-me, tento empurrar-me, tento mesmo somente deixar-me cair e não consigo atingir o fundo. É como se algo, uma parede, me impedisse de avançar mais… É como se alguém superior a mim me segurasse no ponto de queda…
Que merda…
Não tenho livre-arbítrio…


Dia 232:
Foi decidido. Não posso ficar cá em cima à espera que alguém me liberte; sinto-me preso; obrigado a fazer o que não quero. Sinto-me a enfrentar um castigo que não mereço, desde que cheguei a conclusões. Ah, se pelo menos a minha curiosidade não tivesse levado a melhor!!!
Existe algo ou alguém que me guia, que decide o que decido… triste fado…


Dia 233:
Resta-me partir… Abandonar este porto seguro sem saber se existe bilhete de volta.


Dia 234:



Dia 235:



Dia 236:



Dia 237:
Cheguei neste dia ao piso. O pó acumulou-se desde que diminui e sinto que este território me foi retirado. Um arrepio é o sinal… já não me sinto seguro. A locomoção é dificultada pelo pó que deixa o ar pesado, quase irrespirável.
Por outro lado encontro comida suficiente para armazenar. Escondo-a num ponto seguro e faço investidas aos arredores retornando sempre a este ponto. A comida está bolorenta ou dura, mas não posso queixar-me, é melhor que não haver nenhuma migalha. Farei o mesmo nos dias seguintes…


Dia 238:



Dia 239:
Estou exausto…
Consegui arranjar mantimentos para vários meses se for necessário. O mais complicado será levar isto lá para cima. Olho, e o topo da mesa parece ser tão distante. Mas tenho de fazer este último esforço, por mim…
Sono, sono, sono, sono, sono, sonho!
Tenho de me manter acordado!
A viagem começou hoje e já me sinto tão cansado…


Dia 240:
Não acredito em milagres mas o que me aconteceu é no mínimo bizarro. Ao acordar qual foi a minha surpresa ao descobrir que me encontrava no cimo da minha secretária, dentro do meu esconderijo… Primeiro fiquei feliz por ter vindo cá parar de novo, visto que me sinto mais seguro. Ao fazer a ronda para ver se estava tudo bem vi que não tinha mais água nem alimentos e olhei lá para baixo e os outros alimentos estão lá onde os guardei. O que me trouxe aqui pode ter-me ajudado. Porquê então desprover-me de bens necessários à minha sobrevivência. Ter-me-á colocado aqui para morrer? E onde está a minha água? Quem me der ter aqui um cigarro… Estou com ataques de ansiedade…
Dia 240.1:
Mais bizarro é não ter fome ou sede. Sinto-me bem… Já não percebo nada. Se não me esqueci que necessitava de comer e de beber, por que já não sinto necessidade?
Não vou questionar… sempre que questionei aconteceu-me algo pior ainda…
Vou deixar-me seguir o meu rumo sem mais atrasos já que não tenho necessidades. Estou desprovido, vazio…

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