2008-03-03

Dias 152/153

Dia 152:
A janela empurra-me para fora onde os pintassilgos cantam desesperadamente, descrevendo coreografias que atraem as fêmeas. Está um belo dia para passear, já não existem dias assim para passear pelas ruas de alcatrão ladeadas de árvores a florir e casas a ruir. Aqui dentro estava tudo a cair-me para cima desde caixas a montes de papéis riscados a tinta preta. Acho que o espaço estava mesmo a diminuir.
Na rua está a liberdade, está o bom cheiro da manhã. Está o odor do orvalho pelo ar…
Qual o aroma do orvalho?
Dia 152.1:
A multidão está aqui à minha espera. Todos me conhecem de todo o lado. Eles estão aqui só para me ver. Encaminho-me no meu desfile onde vou eu apenas e dispenso altares. Sou capaz de andar para qualquer lugar desde que não seja muito longe.
Estranhamente ninguém me reconhece nesta parada. Pior, todos me ignoram…
Apetece-me ir ao pé deles e dar-lhes a sova que merecem por me estarem a ignorar. Devem estar a gozar comigo… não, é apenas uma brincadeira…
Dia 152.2:
Só o centro da estrada está desimpedido e ao fim de duas horas a andar para ser notado sinto-me já a fraquejar. Porque continuam eles a ignorar-me? Sei que me conhecem…
De repente sou preenchido por uma felicidade imperceptível.
Rio-me para mim… Só para mim…
Finalmente o meu sonho tornou-se realidade. Tornei-me invisível…
Um fantasma…


Dia 153:
Esta solidão cansa-me…
Abandonado… Passa-se alguma coisa estranha aqui…
Paro tudo… Mesmo o teimoso tempo…
Averiguo o que se passa…
Estranha condição esta de ser Homem…
Quero ser como aquele cão sarnento deitado debaixo daquele banco de jardim…
Ah, afinal sou só eu…
Foram as pessoas que me mandaram para aqui…
E tinham nomes… não os decorei… Tinham caras… Essas vi…
Eles não viram a minha… estava tapada por um lençol branco…

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